Dados recentemente divulgados mostram que o fosso das desigualdades socioeconómicas em Portugal está a aumentar. São cada vez mais as pessoas atiradas para níveis preocupantes de pobreza, particularmente no pós crise sanitária. Certos de que necessitamos de uma robusta e mais efetiva estratégia de luta contra a pobreza, não podemos descurar a importância de combater fenómenos como a corrupção e o enriquecimento ilícito que, para além do prejuízo financeiro que causam ao país, minam a confiança nas instituições, no poder político e na própria democracia.

Ora, regra geral convergimos na ideia de que é absolutamente inadmissível que existam casos de titulares de cargos políticos ou públicos que, quando saem desses cargos, tenham acréscimos de património e rendimentos não justificados. Rendimentos que surgem quase como por magia, sem o devido escrutínio e sem que as origens indevidas sejam punidas. Mais: vivemos num país em que 48% das pessoas já se serviram das chamadas “cunhas” e 80% dos empresários consideram que o pagamento de subornos e a utilização de contactos privilegiados são as formas mais fáceis de conseguir certos serviços públicos. Esta situação exige medidas urgentes de prevenção e de promoção de maior transparência, mas também de punição e reparação.

É fundamental que se encontre um caminho jurídico que permita criminalizar o incremento de património de um titular de cargo público ou político que não pode ser por si razoavelmente identificado. Esta é uma exigência que decorre do direito internacional e que o nosso país ano após ano tem incumprido. Contrariamente a países como a França, Hong Kong ou a América do Sul, Portugal continua, lamentavelmente, sem cumprir integralmente a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, essencialmente por falta de vontade política do “bloco central”.

Sabemos que a criminalização do enriquecimento injustificado é complexa e já foi tentada por duas vezes, sem sucesso, por ser considerada inconstitucional. Entendeu o Tribunal Constitucional que, nos termos em que se apresentava, desrespeitava o princípio da proporcionalidade e violava o princípio da legalidade. Algumas das propostas entradas no Parlamento contribuem apenas para uma espécie de jogo populista para eleitor ver e não para a urgente resolução deste grave problema.

Contudo, o caminho a seguir existe e pode passar precisamente por sancionar a ocultação dos rendimentos ou património, salvaguardando assim as preocupações de foro constitucional. O que não podemos é dar-nos ao luxo de permitir que a corrupção ou enriquecimento ilícito continuem a fazer de nós um país que faz jus à máxima “sem rei, nem roque”.