A expressão sentido de Estado é das de interpretação mais lata no atual léxico político servindo para atacar, à direita e à esquerda, comportamentos menos ortodoxos por parte dos atores políticos.

De uma visão monolítica e profundamente estatizante a uma visão mais abrangente que inclui regras de cortesia no exercício de funções públicas, a expressão é usada frequentemente no debate político. No entanto, a noção de sentido de Estado está intimamente ligada à de Razão de Estado, significando o primado dos interesses do Estado sobre interesses privados ou sobre o interesse de outros Estados.

É certo que os interesses do Estado, incluindo os de cariz estratégico, não são imutáveis. Mesmo aqueles cuja natureza é mais estável estão também sujeitos à mudança. Contudo, qualquer cidadão, no uso do seu senso comum, consegue entender que há assuntos que, pela sua relevância para o Estado, devem ser tratados de forma discreta e, sobretudo, ponderada e não devem ser trazidos de forma insensata para a praça pública, mesmo que por motivos de ganho de atenção pública.

É, no fundo, o dilema, que muitos dos que hoje exercem funções públicas parecem não conseguir resolver, entre o interesse público e o interesse do público.

A capacidade de resolver esse dilema e agir em conformidade, por parte de quem exerce funções públicas consiste numa boa definição para o sentido de Estado. Portanto, a ponderação sensata dos interesses em presença e a distinção do interesse público em relação ao interesse do público são aspetos basilares para uma compreensão do conceito sentido de Estado.

Esta capacidade de exercer algum sentido de Estado é importante porque é, também, cumulativamente com o tempo de exercício de funções públicas relevantes, importante para se atribuir a alguém o epíteto de Estadista. É, normalmente, esta a pedra de toque que distingue as pessoas que ocupam lugares públicos de relevância.

Não pretendo, num período pós-eleitoral, massacrar mais o leitor com análises sobre as eleições nem contribuir para a 5ª coluna de comentadores cuja opinião é apenas formulada em função da narrativa que deve prevalecer.

A clara vitória do PS só não foi maior por demérito próprio e, no caso de Lisboa, acresce ao demérito do PS e Fernando Medina o mérito pessoal do candidato Carlos Moedas. Mas, no período pré-eleitoral, e claramente motivado por esse espírito, ocorreu uma situação que revelou essa falta de sentido de Estado, na medida em que houve um claro prejuízo do interesse público em favor de um putativo ganho eleitoral.

Não descerei ao nível de alguns comentadores que utilizaram expressões como “chico-esperto” e “videirinho” porque entendo que devemos cultivar algum respeito institucional para com as pessoas que nos lideram.

O que o primeiro-ministro demonstrou, com as suas declarações no caso da refinaria de Matosinhos, foi exatamente falta de sentido de Estado, correndo o risco de comprometer interesses estratégicos do país sob a forma de colocar em causa a gestão de uma empresa estratégica.

Admito que tivesse sido um excesso e que até se tivesse arrependido do mesmo, mas são esses erros que retiram a alguém o epíteto de Estadista.

Não quero dizer com isto que a GALP fosse isenta de crítica, não era certamente, pois aquela decisão há muito que deveria ter sido tomada permitindo uma maior progressividade no planeamento e na execução das medidas sociais necessárias. O facto de não ter sido tomada no tempo certo tem, eventualmente, de ser apontado a quem dirigia a empresa, mas não obsta à necessidade económica da medida.

A GALP é uma empresa estratégica para a economia portuguesa, cotada em bolsa, onde assume um papel relevante, com uma dimensão que lhe permite ser um ator económico nos mercados internacionais e gestora de infraestruturas críticas nacionais, e mais do que isso, é das poucas empresas nacionais, com essas características e dimensão, que tem um núcleo acionista também ele nacional.

A manutenção da saúde económica e financeira desta empresa não é apenas uma questão privada, mas antes verdadeiro interesse público.

O primeiro-ministro, numa tentativa espúria de obter um ganho eleitoral, fez declarações que não só não fazem sentido como são completamente deslocadas no tempo face à decisão da empresa. Num mercado altamente competitivo e sensível uma crítica feita, nos termos em que foi feita, pode ter um efeito irreparável.