“A Assembleia da República tem de vir a ser a consciência política visível deste Povo, tornando-se num espelho fiel das suas necessidades e anseios (…)

Francisco Sá Carneiro, in “Discurso na Assembleia da República (1976)”

 

Aproximando-se a realização das eleições legislativas aumenta a discussão sobre a reforma do sistema político. A reflexão alterna entre a busca de maior legitimidade individual do deputado e maior aproximação ao eleitor, a maior independência dos partidos, o aumento da responsabilização e a respetiva prestação de contas. Na maioria dos casos reclama-se a redução do número de deputados para um número entre os 180 (mínimo constitucional) e os 100 (sem qualquer base e com intuitos muito populistas). As imagens de um plenário com muitas cadeiras vazias ajudam em muitos casos a este propósito.

Contudo, o número atual de 230 deputados apresenta-se alinhado com a média de representação em regimes políticos democráticos, em que a pluralidade partidária deve ser respeitada, bem como a diversidade de representação das sensibilidades regionais, expressas nos círculos eleitorais.

A função de um deputado é definida constitucionalmente na representação de toda a nação, isto é, de todos os portugueses, independentemente do género, etnia, localização ou rendimento. E exige-se do deputado o conhecimento de todas as áreas de intervenção, da agricultura à educação, da saúde ou assuntos laborais, de questões sociais à economia. Exige-se ainda que tenha sensibilidade para as questões nacionais e regionais, do interior ou do litoral, das comunidades no estrangeiro e das regiões autónomas. Espera-se assim que saiba falar sobre tudo, que o parlamento se pronuncie com oportunidade e qualidade.

O parlamento não é apenas um plenário. Abrange o trabalho em comissões e grupos de trabalho, audiências e reuniões de grupo parlamentar. Ouvir associações sindicais ou empresarias, de classe ou de interesse, sobre diplomas ou pedidos de apresentação de diplomas. Reclamações ou requerimentos, inquirições ou protestos, de tudo se espera que o deputado ouça e aja em conformidade.

Apesar de uma imagem menos positiva, o deputado e o parlamento ainda são um recurso valioso a que se recorre, perante a surdez ou cegueira dos poderes públicos. Se nas autarquias locais o poder é mais próximo geograficamente, no parlamento ninguém se pode esconder das necessidades e dos anseios das populações. Neste encruzilhar de solicitações e abordagens, na busca de respostas e soluções, o deputado ainda intervém, elabora relatórios ou diplomas, na assembleia e fora dela, levando as suas posições mais além, no esclarecimento e na resposta às questões que lhe colocam.

Nesta diversidade da dimensão parlamentar se constrói o modelo de representação. Dirão alguns que deve ser numa legitimação individual, longe do controlo partidário, em círculos uninominais de ligação direta ao eleitor. Contestarão outros que assim que não se proporciona uma diversidade setorial e se criam novos centros de poder individual que não conduzem à viabilização de soluções governativas.

A responsabilidade política não se pode assumir como a contramedida da legitimidade. E o modelo de representação parlamentar tem de traduzir todas as valências que se exigem a uma instituição que se pretende ser reflexo, mas também condutor, da política do país.

(Conclui na próxima semana)