Numa altura em que tanto se escreve sobre cidades suspensas e os desafios da humanidade. Resgato a questão colocada há 6 anos na preparação do Fórum Urbano Mundial ONU-Habitat III, em Paris, para a definição da Carta de Medellín. As cidades do futuro terão que ser humanizadas ou não teremos futuro. Edgar Morin, convidado principal para a reflexão, expõe, claramente, a necessidade de resgatar o ser humano das lógicas de mercado, e de voltar a concentrar as nossas preocupações na humanização, na democracia ateniense das cidades, e não em noções de competitividade que nos levam a sociedades injustas e desequilibradas.

Um dos vetores de reforma na humanização das cidades é a promoção de políticas públicas de compactação urbana em oposição à dispersão territorial, e obriga a uma nova cartografia. Uma nova forma de olhar, identificar, compreender e intervir sobre o que já é ou foi construído. Voltar a dar atenção às características próprias de cada esquina ou edifício devoluto. Valorizar, com recursos limitados para investir, passa por recorrer à inteligência coletiva local, que deve ser chamada a refletir sobre o seu património e os seus bairros. Uma cidade não se inventa, as raízes existem, devemos resgatar os testemunhos que incentivam o diálogo entre flexibilidade, adaptabilidade e capacidade de transformação.

Para alcançar este objetivo, é  muito importante notar que as respostas dos municípios serão decisivas para a definição das cidades nos próximos anos. Retomando o tópico do início deste artigo, a construção das cidades deve ser mais cooperativo do que competitivo, mais destinado à produção do bem comum do que valores privados. Mas por onde começamos? Podemos começar por refletir sobre o documento orientador para o desenvolvimento territorial, que dá algumas pistas para a Estratégia Cidades Sustentáveis 2020. Trata-se de um instrumento útil na expressividade do desenvolvimento sustentável – económico, social, ambiental, cultural e de governança. Destaca o envolvimento e compromisso de uma multiplicidade de atores locais e globais, a diferentes níveis de governação, como sendo uma condição fundamental para que o sentido das intervenções na cidade não se resumam apenas à dimensão física do espaço urbano, mas, ao desenvolvimento económico, à inclusão social, à educação, à participação e à proteção do ambiente.

Analisando, também, as ambiciosas iniciativas em curso, em Portugal, o Projeto Europeu Living Streets liderado pela Oeste Sustentável, o projeto Bairros Saudáveis programa público apresentado pela Helena Roseta e a Escola de Verão TUR’20 promovida pela academia, percebemo-nos do quão relevantes podem ser as respostas a partir do que se experimenta no terreno. Todas as iniciativas asseguram um base local sólida e atualizada de informação urbana que permitem debates inovadores de política pública e criação de regimes abertos para a produção e partilha. Cabe, agora, refletir sobre o potencial impacto destas iniciativas e sobre a construção de espaços coletivos em que as cidades têm a capacidade de fornecer algo para todos só porque, e só quando, elas são criadas por todos (Jane Jacobs).

Termino, acreditando que os municípios portugueses não vão perder a oportunidade de mobilizar a energia cívica para definir uma narrativa abrangente e humanizada que traduza a comunidade que representam. É a altura certa para o fazer para responder sim à questão.