No entendimento comum sobre a criação de riqueza e melhoria da qualidade de vida das famílias, o mercado global desempenha um papel significativo. A narrativa construída pelos economistas, sobretudo desde meados da década de 80 do século XX, assentava na premissa de que a globalização cria catalisadores para o crescimento económico de médio prazo e agiliza as transições entre os ciclos mais favoráveis e menos desfavoráveis, uma vez que as empresas se tornavam capazes de diversificar a sua exposição aos diversos mercados internacionais, tendo por isso vários locais onde colocar os seus produtos e ficando mais imunes aos ciclos económicos do seu país de origem.

Ao criarem cadeias de valor a nível global, as empresas também seriam capazes de criar preços mais competitivos para os produtos, gerando benefícios para o consumidor final, que assim teria maior diversidade de escolha e preços mais acessíveis.

No entanto, e sobretudo nos últimos anos, há quem considere que a globalização não tem trazido os benefícios que eram esperados pelos seus defensores. De facto, as grandes empresas nas economias desenvolvidas foram capazes de criar cadeias de valor para uma oferta global de produtos, aproveitando em particular os menores custos da força de trabalho noutras localizações. E enquanto os preços dos bens se tornaram mais acessíveis no país de origem das empresas, foram-se destruindo postos de trabalho nas economias mais avançadas, vítimas de deslocalização da produção, acompanhada do aumento de desigualdade nos rendimentos e da perda de ímpeto na produtividade.

Apontou-se o dedo à globalização e o ceticismo cresceu politicamente no mundo desenvolvido, visível na erosão das votações dos partidos do centro político, principais implementadores das medidas de aumento do comércio internacional, base da globalização. A globalização é atualmente um modelo esgotado, e o protecionismo a inevitável solução? Ou será antes uma transição para um novo ciclo de globalização?

Terá a globalização atingido o seu máximo potencial?

Se observarmos uma série de métricas relativamente às últimas décadas, é visível um efeito de abrandamento da integração mundial. Alguns observadores acreditam que esta afinal é uma evidência natural do processo – existe um limite, por exemplo, para a criação de valor que é possível integrar na cadeia de produção manufatureira, ou para a diversificação de ativos financeiros a nível global.

Uma das medidas que podemos avaliar é o indicador de intensidade do Comércio Internacional (soma das exportações e das importações, enquanto percentagem do PIB mundial), que evidencia que após a acentuada subida nas décadas de 80 e 90, no qual o peso do comércio internacional subiu de cerca de 36% para 51% do PIB mundial, para depois, nos últimos 20 anos, atingir um pico junto dos 60% desta mesma variável, e estagnar junto deste limite.

Da mesma forma que, sobretudo desde a crise de 2008, os fluxos de capital nos mercados financeiros internacionais abrandaram, quando medidos pelo peso no PIB mundial – passando de níveis de 21,4% em 2007 para níveis próximos de 7% atualmente, de acordo com dados das Nações Unidas. Dados que reflectem, sem dúvida, um maior incremento da regulação mundial e da significativa redução da alavancagem dos balanços dos grande bancos mundiais.

Vale a pena salientar ainda o significativo aumento das iniciativas protecionistas desde finais de 2008, após a “grande recessão” mundial, que também tem vindo limitar uma maior integração do comércio internacional. O Observatório Global Trade Alert contabilizou na última década cerca de 14 mil iniciativas legislativas que dificultam o comércio internacional, o que contrasta com o número de iniciativas legislativas no mesmo período que liberalizam o comércio internacional, apenas cinco mil.

A globalização explica todos os novos problemas na economia?

Sem dúvida que a integração mundial contribuiu para o diagnóstico problemático que as economias, sobretudo as mais avançadas, vivem atualmente. A estagnação na criação de postos de trabalho na indústria manufatureira e sobretudo o agravamento da desigualdade de rendimentos foram áreas onde, efectivamente, a globalização teve um papel, mas será que é a raiz de todos os males, ou pode até ser considerada decisiva?

Existem, pelo menos, outros fatores a ter em consideração na equação, para além da liberalização do comércio internacional. Numa primeira frente a evolução tecnológica, e numa segunda frente uma alteração de padrões de consumo nos países desenvolvidos, mais vocacionada para serviços – um efeito associado ao maior grau de desenvolvimento das economias. Estas duas variáveis adicionais (podem existir outras) ajudam a entender que é complexo identificar os problemas atuais como um efeito apenas exclusivo da globalização.

Os padrões destes fatores – liberalização do comércio, impacto tecnológico e alterações de padrões de consumo – evidenciam sim uma falha de implementação de medidas inovadoras que ajudem a reduzir as desigualdades sociais e de rendimentos. Mas isso não significa que a solução passe por uma drástica redução da liberalização das relações comerciais.

O atual ruído antissistema sobrepôs-se aos fundamentais de valor da globalização

Um aumento significativo do protecionismo dificilmente será uma solução para lidar com os problemas atuais da economia global, e irá estagnar ainda mais a produtividade e acentuar as desigualdades de rendimentos, uma vez que o acesso à criação de riqueza vai ficar mais afunilado e tendencialmente pior distribuído.

Todo o ruído criado à volta dos efeitos colaterais da globalização, visível numa espécie de rebelião dos eleitores, deixou uma cortina de ferro sobre os valores fundamentais deste verdadeiro catalisador de riqueza mundial. A globalização, para além de criar condições para economias mais pequenas, como o caso da portuguesa, poderem ser dinâmicas e produtivas através do acesso global a mercados, pessoas e capitais, traz vantagens no que diz respeito ao aumento da pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico sincronizado global, o que só consolida a estrutura económica e societária mundial.

Adicionalmente, ajuda a mitigar a pressão sobre os recursos naturais (porque reorienta os fluxos de exploração e o investimento através de uma diversificação global) e, por fim, mas não menos importante, ajuda os países a aceder a capitais financeiros e a financiamento à escala global que acabarão por beneficiar os agregados familiares, que, indirectamente, também irão aceder a custos financeiros mais baixos.

‘Bottom’s up’: economia global mas mais solidária

Não faz sentido a narrativa que tem vindo a ganhar terreno, que diz que para conter os desequilíbrios recentes nas economias avançadas é necessário retroceder na liberalização do comércio internacional. Não é líquido aliás que resida aqui a raiz de menos emprego e desigualdade. Fatores disruptivos associados à automação e tecnologia, assim como aos padrões de consumo, são variáveis que só por si também alteraram as dinâmicas do mundo desenvolvido.

A globalização é uma criadora de produtividade que tende a favorecer economicamente os países que mais liberalizam o comércio. Contudo, não se pode ignorar que é preciso corrigir os efeitos colaterais criados, no sentido de evitar crises económicas. Por um lado, importa criar e implementar políticas de carácter mais regional e local, que possam mitigar os custos de ajustamento associados aos saltos de disrupção criados pelo aumento da automação e deslocalização, e por outro lado, que permitam dispersar os ganhos obtidos pelas corporações nas operações regionais mais rentáveis pelos colaboradores da totalidade da operação.

Existe de facto ainda muito trabalho a fazer, de forma a que os benefícios corporativos da globalização sejam mais solidários na distribuição, mas o caminho que é de facto necessário percorrer passa por reformar o mecanismo de comércio internacional, e não pelo regresso incondicional ao passado pré-histórico do protecionismo económico.