A ideia de os bancos centrais adotarem o blockchain começou a fermentar nas mentes políticas no início de 2018, após uma apreciação de preços fabulosa no ecossistema cripto que acabara de ocorrer em 2016/17 e que despertou o interesse em competir com as criptomoedas, nomeadamente com a bitcoin e o ethereum.

Surpresos com o boom de novas criptomoedas, que foram aparecendo em meados de 2017 e que em poucos meses valorizaram centenas ou milhares de vezes, o silêncio institucional perante este novo paradigma tornou-se ensurdecedor. Havia agora uma nova economia que movimentava biliões de dólares que os Estados teimavam ingenuamente em ignorar, não lhe reconhecendo valor real.

Como poderiam os Estados tributar a venda de moedas Z a troco de moedas X, se teimavam em não reconhecer valor nem a Z nem a X. A pressão na panela aumentava e tornava-se claro para os programadores de blockchain que uma rajada de tiros nos pés dos responsáveis da banca e das entidades reguladoras estava prestes a acontecer, fruto do desespero para travar algo cuja natureza só iriam compreender cinco anos mais tarde.

Quando, finalmente, perceberam que era impossível travar a transição do TRADFI (Sistema Financeiro Tradicional) para o DEFI (Sistema Financeiro Descentralizado), resolveram mudar de estratégia. Se não os podes vencer, junta-te a eles, mas sem adotar a bitcoin.

Se Satoshi Nakamoto (anónimo, criador da bitcoin) tinha tido tanto sucesso, pois então iria agora a banca fazer ela própria uma versão privada que não daria hipótese à original. Assim nasce o sonho das CBDC (moedas digitais de banco central) na cabeça dos burocratas cuja iliteracia tecnológica os impediu de ver a dura realidade que os aguardava no caminho dos seus desígnios.

Queriam o blockchain sem nunca terem compreendido que já o usavam há décadas nos seus históricos de transações e livros de atas. Queriam o blockchain sem nunca terem compreendido que a verdadeira natureza da inovação nunca foi o blockchain em si, mas a forma descentralizada (sem banco) com que as criptomoedas nele guardam registos e os atualizam.

Ficava cada vez mais claro que as CBDC nunca poderiam adotar nenhum mecanismo de consenso distribuído para realizar este trabalho, já que isso implicaria delegar o governo da moeda nas mãos de validadores anónimos (ou mineradores), o que, por sua vez, resultaria em prescindir do papel desempenhado pelos bancos tanto na sua emissão como no seu governo, tornando-os obsoletos e inúteis à sociedade, e, como tal, nunca poderiam permitir que os CBDC corressem num blockchain público (aquilo que tinham desejado era agora o seu pior pesadelo).

Ficou claro que nunca perceberam a natureza daquilo que queriam, e o termo CBDC nunca passaria de um rebranding dos nomes do euro e das outras moedas fiduciárias. O livro razão de registos de transações do CBDC (que sempre foi um blockchain) continuaria a ser um livro de registos interno dos bancos centrais numa base de dados igual àquelas onde “circulam” as atuais moedas fiduciárias na sua atual forma digital (MBway, cartões de crédito, etc.).

Nem a obtenção de um histórico de pagamentos e transferências por parte dos titulares de conta seria diferente daquilo que já é feito no presente e, mais uma vez, o consenso distribuído não traria qualquer melhoria ao rastreamento das transações feito pelos bancos no atual sistema centralizado.

A única diferença técnica que talvez seja possível de apontar entre a tão desejada CBDC e as atuais moedas fiduciárias não se prende com a natureza de uma criptomoeda, mas sim com a imposição de uma app ao titular de conta, programada pelo Estado (ou entidade governadora), de forma a aplicar condições específicas ao manuseamento dos fundos, como, por exemplo, o estabelecimento de prazos de validade para gastar o saldo, ou a listagem de artigos permitidos ou proibidos de consumir, de acordo com uma série de premissas definidas pelo governador da moeda sob orientação do Estado.

O sucesso dessa app não tardaria a depender da eliminação de todos os meios alternativos à movimentação de fundos dos titulares (nomeadamente notas, moedas e cartões de débito e crédito), os quais poderiam ser vias alternativas para contornar as condições aplicadas aos pagamentos através da app, sob regras especificas (nomeadamente os créditos sociais ou de carbono de cada cidadão, ou o seu estatuto social).

Por estas razões não é de surpreender que a narrativa do fim do dinheiro físico tenha coincidido com o início das conversações sobre a criação de uma CBDC na zona euro. Tudo isto demonstra que as CBDC nunca tiveram nem nunca terão qualquer semelhança com cripto (criptoeconomia e criptomoedas) a nível tecnológico, nem tampouco a nível filosófico.

As CBDC reforçam, uma vez mais, a necessidade de expansão do ecossistema DEFI, onde uma moeda equivale a uma força da natureza, que tal como o vento ou a água da chuva, nenhum governo poderá impedir de soprar ou correr.