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Sérgio Monteiro: “Ajudou muito à utilização agressiva do CCA ter sido encurtado o prazo de reestruturação do Novo Banco”

Sobre a estimativa de 1.500 milhões de euros, esclareceu Sérgio Monteiro que “era uma estimativa de perdas [dos ativos CCA] que vinha da gestão do banco, mas não correspondia à estimativa de utilização do mecanismo de capital contingente, porque havia ainda também a questão do rácio capital”. O gestor mostrou-se orgulhoso em ter trabalhado para dois líderes que “disseram não” a Ricardo Salgado.
  • Cristina Bernardo
13 Abril 2021, 22h37

Sérgio Monteiro, ex-coordenador do processo de venda do Novo Banco, na qualidade de consultor do Banco de Portugal, defendeu na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Novo Banco, que a preferência seria sempre uma proposta que não onerasse as contas públicas, “que não tivesse contingências imediatas ou futuras relativamente a eventuais injeções de capital”.

Sobre as questões se lhe foram remetidas pelos deputados relativa a instruções para que a venda não tivesse impacto orçamental no momento em que ocorreu, o ex-consultor referiu que “a orientação geral” no início do processo era que se tentasse, “na medida do possível, que não tivesse impacto orçamental nem quando a venda ocorreu, nem mais tarde”.

Sérgio Monteiro salientou que “não é o processo de venda que origina perdas”. O processo de venda “descobre problemas no balanço que ficam evidentes com as propostas que são recebidas. As perdas tinham origem em decisões anteriores até à criação do Novo Banco”, explicou.

Na audiência o gestor explicou que em alternativa ao acordo que foi assinado em março de 2017, havia a hipótese de a Lone Star comprar 100% do banco (em vez dos 75%), pagando 150 milhões de euros, mas com o Fundo de Resolução a ter de se responsabilizar por perdas no conjunto de ativos, que em termos líquidos, eram 7,8 mil milhões de euros. Este é o valor líquido de imparidades dos ativos problemáticos herdados do BES a 30 de junho de 2016 (esta é também a data de referência do mecanismo de capitalização contingente que acabou por ser criado, em alternativa, com o valor de 3,89 mil milhões de euros). Sérgio Monteiro explica que junho de 2016 é a data referência que serviu de base ao Acordo de Capitalização Contingente porque é data referência da due-diligence dos candidatos ao concurso que culminou com a venda em 2017.

O consultor foi ainda confrontado pela deputada Mariana Mortágua sobre as declarações do primeiro-ministro, António Costa, no momento da venda do banco, que disse que esta alienação não teria “impacto direto ou indireto nas contas públicas”, e questionado sobre se o “Governo estava ciente e consciente que este mecanismo teria um impacto nas contas públicas” ao longo do tempo.

“Que o mecanismo uma vez utilizado tinha impacto nas contas públicas, julgo que sim, era obviamente consciência de todos que poderia ter impacto no ano em que fosse utilizado”, admitiu, deixando claro que este mecanismo “era muito melhor do que uma garantia” do Estado porque esta obrigava a contabilizar o valor de 3,89 mil milhões de euros num só Orçamento de Estado.

Este mecanismo foi “considerado muito positivamente pelas autoridades estatísticas e europeias”.

“Posso também testemunhar que a venda do Novo Banco foi muito importante para o rating da República”, e isso teve um benefício para o contribuinte, explicou.

“No processo negocial, entre janeiro e março [de 2017], foi possível conseguir um conjunto de condições, desde logo a exigência de uma garantia estatal deu lugar a um mecanismo de capital contingente com um limite de exposição inferior à totalidade da dimensão dos ativos [3,89 mil milhões e os 7,8 mil milhões], depois conseguiu-se que a Lone Star aceitasse administradores do Fundo de Resolução. Mas a Comissão Europeia teve outra determinação”.

Nas negociações de venda, o Banco de Portugal conseguiu acordar com a Lone Star que o Fundo de Resolução, que ficaria com 25%, ficasse com representação na administração não executiva, incluindo nos comités de risco e auditoria. Mas foi a DG Comp de Bruxelas que rejeitou “liminarmente”.

O gestor explicou que “havia o risco de ser adotado um conjunto de decisões que eram contrárias ao interesse do Fundo de Resolução que, na medida do possível, procurámos acautelar com essa nomeação de administradores. [Isso] não aconteceu por decisão/requisito da Comissão Europeia, nomeadamente a DG Comp que se opôs liminarmente à existência de administradores por parte do Fundo de Resolução dizendo, na prática, que eles exerceriam uma magistratura de influência para que porventura perdas não fossem reconhecidas no sentido de minimizar a probabilidade de utilizar o mecanismo de capital contingente”.

Como alternativa, foi criada a comissão de acompanhamento para fiscalizar o cumprimento do acordo de capital contingente, designadamente a venda, mas foi “um remendo” e uma “solução subótima” face à oposição da DG Comp quanto à nomeação do Fundo de Resolução para a administração do Novo Banco.

“Nós nunca tivémos orientações para abandonar as negociações [com a Lone Star] por causa disso”, explicou ao deputado do PCP, Duarte Alves.

Em resposta a Cecília Meireles, do CDS, Sérgio Monteiro revela que nas exposições à atividade seguradora, a Angola, a Venezuela e a fundos de reestruturação (mais problemáticas) “a Lone Star começou por querer que fossem retiradas do mecanismo (CCA) e que [nestes ativos] a proteção fosse dada euro por euro. Portanto nesse cenário o CCA era de 2.250 milhões de euros, mas ficavam de fora outros ativos em que a Lone Star pedia uma compensação euro por euro. O que era pior do que o resultado final da negociação”.

A Lone Star não conseguia saber o verdadeiro valor daqueles ativos, isso explica a escolha daquela pool de ativos. A transferência daqueles ativos para fora do banco implica uma injeção de capital correspondente. Chegou a ser equacionado a criação de um veículo sistémico, mas que acabou por não avançar.

Sobre o valor dos ativos que ficaram no CCA, Sérgio Monteiro lembrou que a constituição de imparidades, que é determinada pelos auditores, tem por base a informação existente no momento e em função do tempo de manutenção do ativos. “Eu admito que a aceleração de venda dos ativos cobertos pelo CCA tenha esse efeito [de subida das imparidades], por causa do registo como ativos disponíveis para venda”, explicou.

Sobre o valor do mecanismo que no fim das negociações com o fundo-norte americano acabou por ser 3,89 mil milhões de euros, Sérgio Monteiro, considera que a Lone Star aceitou esse valor “porque a tinha a convicção que o limite não seria atingido”.

“A venda à Lone Star era a melhor alternativa perante as que estavam disponíveis e como tal serviu o interesse público”, defendeu o gestor que lembrou que paralelamente, a pedido da Comissão Europeia, estava a ser preparado um plano de resolução do Novo Banco e a liquidação, caso a venda não se concretizasse.

O deputado Miguel Matos, do PS, falou de uma carta da administração do Novo Banco, em que este fala dos activos herdados do BES que levariam à constituição de imparidades adicionais de 1.060 milhões. Nessa carta o banco sugere que o FdR recapitalize a instituição ou que pudessem fazer mecanismos de optimização do balanço (ex – carve out), antes do processo de venda. “Essa possibilidade foi considerada, mas para retirar ativos do balanço também é preciso retirar passivos. Para gerar capital tem o ativo de ser superior ao passivo. Essa medida levaria inevitavelmente a uma injeção adicional de fundos públicos que não estava autorizado”, disse Sérgio Monteiro.

“Todos estávamos alinhados em vender o banco o mais rapidamente possível”, disse o gestor que lembrou que não havia atratividade para uma colocação em bolsa do Novo Banco, dado o trauma que subsistia nos investidores do aumento de capital do BES. Para além de haver problemas ao nível das regras de auditoria dos EUA, de onde vinham muitos investidores, que exigiam que o desconto dos ativos por impostos diferidos (DTA) fosse feito num único exercício o que implicava uma recapitalização do banco, e na altura não era possível porque era ainda um banco de transição.

A CMVM só deixa ir para o mercado de capitais português, entidades que tenham apresentado resultados positivos durante alguns anos, e o Novo Banco não cumpria requisitos, lembrou o gestor.

Sobre o capital backstop – injeção pelo Estado de dinheiro no Novo Banco se, no limite, o banco não conseguisse sobreviver depois da venda, e que implicaria uma imposição forte de remédios –, que ficou estipulado nos acordos com Bruxelas em 2017, Sérgio Monteiro em resposta ao deputado Alberto Fonseca, do PSD, esclareceu que “o Estado tem a possibilidade de injetar dinheiro no Novo Banco, se assim o entender, não é uma obrigação”. Essa cláusula revela que a Comissão Europeia “não acreditava na viabilidade do banco e considerava que devia ser liquidado” e “também não acreditava na viabilidade do plano de negócios da Lone Star para o banco. Na prática achava que as imparidades iam ser muito superiores às imparidades previstas nos vários cenários apresentados, e que a margem financeira que iria ser gerada seria significativamente inferior por causa da concorrência”, disse o ex-consultor do BdP. Portanto, Bruxelas achava que “os 1.000 milhões da Lone Star, os 500 milhões da troca de obrigações (LME), que depois acabou por ser de 422 milhões de euros, e os 3,89 mil milhões de capital contingente nada disse chegava para viabilizar o banco”. Como a medida [de backstop] tinha de ser criada em 2017 e a CE entendeu tomá-la ao abrigo ainda da medida de resolução de 2014, evitando entrar na legislação da BRRD que implicaria uma nova resolução para haver auxílios de Estado, entenderam tomar uma decisão de mais largo espectro para garantir que se fosse preciso mais dinheiro para o banco, o Estado estaria autorizado. “Mas não é uma obrigação”, garante Sérgio Monteiro.

Os deputados confrontaram ainda o inquirido com o facto de os juros associados aos ativos do mecanismo de capital contingente, quando não são recebidos acrescerem às perdas, mas quando são recebidos não abaterem às perdas. Sérgio Monteiro explicou que o encontro de contas é feito no final dos oito anos do mecanismo, segundo o que ficou no contrato. Há uma diferença temporal. “Esta condição foi imposta pelo BCE”, revelou o ex-consultor.

Sérgio Monteiro foi ainda questionado sobre o diferendo sobre a mudança de aplicação das regras contabilística de IFRS 9, que originou um diferendo com o Fundo de Resolução de 226 milhões de euros.

Em 2018 o Novo Banco pediu para aderir ao regime transitório de cinco anos para implementar as regras, mas em novembro de 2019 pediu para sair desse regime transitório, e para passar a adotar a total implementação das normas contabilísticas internacionais e assim aumentou as necessidades de fundos próprios pedindo mais dinheiro ao Fundo de Resolução, que não aceitou isso e o tema foi para tribunal arbitral.

O deputado confirmou o que o Eco tinha avançado, que o diferendo vai ser resolvido pela Câmara do Comércio Internacional, o tribunal arbitral com sede em Paris e delegações em vários países do mundo, incluindo Portugal, sendo expectável uma decisão no segundo semestre.

O ex-coordenador da venda do Novo Banco, que é uma testemunha abonatória do Fundo de Resolução no tribunal, disse que no contrato ficou estipulada a proibição de alterar políticas contabilísticas (e concessão de crédito), mas apenas durante dois anos.

“A decisão regulatória do capital faz-se pelos mínimos”, disse ainda o gestor que falou do “histórico de subcapitalização do Novo Banco”. Pelo que as perdas esperadas, com impacto no capital, nos primeiros três anos eram maiores e portanto esperava-se que os requisitos de capital baixassem (daí que a expectativa inicial tenha sido que o uso do CCA ficasse ligeiramente acima de 1,5 mil milhões de euros). Mas essa redução não aconteceu. Na altura o requisito de capital de Common Tier 1 + 1,5% dava 12%, e isso é que ficou estipulado no contrato.

Sobre a estimativa de 1.500 milhões de euros, esclareceu Sérgio Monteiro que “era uma estimativa de perdas [dos ativos CCA] que vinha da gestão do banco, mas não correspondia à estimativa de utilização do mecanismo de capital contingente, porque havia também a questão do capital”.

Recorde-se que o montante dos pagamentos a realizar pelo Fundo de Resolução corresponde ao menor dos seguintes montantes: perdas líquidas acumuladas nos Ativos CCA,  e montante necessário para repor o rácio de capital do Novo Banco no nível acordado (rácio de CET 1 de 12%).

“Ajudou muito à utilização agressiva do CCA, o facto de ter sido severamente encurtado o prazo para a reestruturação, a diferença é entre oito anos e três anos, lembrou. Também a meta de redução de rácio de NPL (malparado) para 5% colocado entretanto pela EBA – Autoridade Bancária Europeia também ajudou, acrescentou Sérgio Monteiro.

Foi ainda estimado quanto poderá valer os 25% do Novo Banco numa venda futura, revelou ainda Sérgio Monteiro.

“Tenho muito orgulho de ter trabalhado com dois líderes, Pedro Passos Coelho e Carlos Costa, que disseram que não àquele que era todo o poderoso, e que afinal se veio a verificar que a qualidade de gestão era má”, concluiu.

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