[weglot_switcher]

“Seria péssimo forçar a saída da Oman Oil da REN”

António Costa Silva, CEO da Partex, considera que Portugal precisa de atrair mais investidores. Diz que se devem manter os acionistas estrangeiros da EDP e da REN.
2 Março 2019, 14h00

Portugal precisa de captar investimento estrangeiro e a China foi dos poucos países a apostar nas empresas portuguesas num dos piores momentos orçamentais e financeiros que o país atravessou, reconhece António Costa Silva. Por isso, o CEO da Partex considera que agora as empresas chinesas não devem ser penalizadas por terem investido em Portugal.

Para reequilibrar a participação acionista portuguesa na REN, face ao peso institucional da estatal chinesa State Grid, foi sugerida a possibilidade do Estado comprar a participação da Oman Oil. Concorda?

A Partex mantém uma relação antiga com a Oman Oil. Temos projetos em comum. Somos acionistas do campo petrolífero de Dunga, no Cazaquistão, hoje operado pela petrolífera francesa Total – antes pertenceu à norueguesa Maersk, que depois foi comprada pela Total. Quando a Oman Oil decidiu investir na REN acompanhámos todo esse processo desde o início. Penso que a Oman Oil está satisfeita com a sua situação acionista na REN, numa fase em que a companhia omanita que está a diversificar o seu portfólio internacional.

Nunca seria uma saída fácil…

Não vejo que a saída da Oman Oil possa suceder assim de uma forma simples, como se fez crer. Não se trata de pegar num frasco de amendoins para tirar uns e por outros lá dentro. As coisas são mais complexas. Portugal tem de prestar muita atenção a isso. Portugal tem relações com Omã desde o século XV e no século XVI fizemos lá dois fortes portugueses, em Muscate. Em Musandam (Moçandão), que é a parte de Omã que está em frente de Ormuz, há comunidades que resultam da miscigenação da antiga guarnição portuguesa que esteve no estreito de Ormuz. Temos ligações históricas entre os dois países. O facto deles estarem na REN deveria servir para desenvolver estas relações históricas. É inconcebível que ainda hoje não tenhamos um embaixador residente em Omã, que é um dos países que sempre foi amigo de Portugal. Seria péssimo forçar a saída da Oman Oil da REN e impor soluções desse tipo para alcançar outros equilíbrios políticos.

Faz sentido a hostilidade regulatória internacional relativamente ao acionista China Three Gorges (CTG) que lançou a OPA sobre a EDP?

Sou muito pragmático a esse nível. Há uma preocupação excessiva com a China no mundo. Há uma luta geopolítica entre as grandes potências internacionais. Temos uma potência dominante que é os EUA e há outra potência em ascensão, que é a China. Temos uma guerra comercial dos EUA com a China. Já vimos este filme inúmeras vezes. Atacar o comércio mundial é o pior que se pode fazer. Entrarmos numa era de protecionismo é o pior que se pode fazer. É mau para todos, porque ninguém ganha com este tipo de guerras. A nossa função é trabalhar com os EUA, que é um grande aliado de Portugal, mas sem fechar as portas à China. Quando estávamos numa situação, que foi das mais difíceis de sempre, os investidores chineses apareceram em Portugal. Eles têm empresas estatais. Podemos discutir a questão das ligações estatais, mas acho que o investimento é bom para o nosso país. Entre 2000 e 2015, a taxa média de crescimento da economia portuguesa foi de 0,05%. Isto é uma vergonha para Portugal. Quando entrámos na União Europeia, no fim dos anos 90, o peso do investimento em percentagem do PIB era de 47%. Hoje, se calhar, é de 14% ou 15%. Temos um problema de atração de investimento estrangeiro e de Formação Bruta de Capital Fixo. Por isso, tudo o que pudermos atrair é importante.

A Europa deve sentir-se incómoda ou preocupada com o investimento chinês?

Há que separar as águas. Não vejo com grande preocupação a questão dos investimentos chineses. Temos é de ter uma diversificação dos investimentos para não dependermos totalmente de um ou dois países. Precisamos de ter um mix que faça funcionar as coisas. Portugal é um país que se deve relacionar com as várias ásias. Não é só com a China. Nós às vezes ignoramos o Japão. Ignoramos a Índia. e somos muito maus no follow up.

Porquê?

O primeiro ministro foi à India, com uma excelente receção, e depois o que é que resultou disso? Somos péssimos em termos de follow up. Depois não conseguimos materializar as relações. Acho que a nossa relação com as várias ásias, com os três grandes países, é absolutamente crucial, mantendo sempre as relações com os EUA, com a Europa, com a Inglaterra, que são os nossos aliados tradicionais.

Acredita que a CTG pode ter sucesso na OPA?

Está a criar-se ao nível da Europa um sentimento fortíssimo contra a China, que é mau para a Europa, é mau para a China e é mau para todos. Temos de distinguir muito bem as questões geopolíticas e as questões da luta pelo poder. Há aqui um problema central que é o da empresa chinesa Huawei, porque tudo isto se relaciona com uma coisa muito simples que é a luta em relação ao 5G, a nova rede de telecomunicações que vai marcar o futuro, que vai permitir a integração da Inteligência Artificial, e que vai mudar tudo. Quem controlar isso pode controlar o mundo. Há uma luta entre a China e os EUA sobre o controlo do 5G.

Fomos envolvidos nessa geopolítica…

Mas o que é que Portugal tem a ver com isso? Somos nós que vamos resolver essa luta? Nós às vezes somos um país que anda a resolver os problemas do mundo… é lícito quando a Alemanha faz contratos com a China, e mantém uma relação brutal com a China, que investe na Alemanha muito mais do que investe em Portugal, mas com a Alemanha não há problema nenhum. Quando os chineses investem em Portugal já há problemas e ‘aqui D’El Rei’ que estão a penetrar na Europa…

Como deveriamos orientar a diplomacia em relação à China?

Temos de ter uma relação convivial e saudável com a China. É um grande país e tem o Partido Comunista que o rege. Mas, atenção: o capitalismo chinês dá os seus resultados. Sabemos que tem um modelo autoritário e que não há liberdades civis, mas não somos nós que vamos resolver esse problema. Nós temos é de utilizar o investimento chinês para desenvolver a nossa economia. Tal como temos de utilizar o investimento japonês e o indiano, para desenvolvermos relações com todos esses países. Não vamos através disso resolver os problemas do mundo. Uma coisa é o comércio e a economia. Outra coisa é a luta geopolítica pelo poder. Temos de diferenciar os dois.

A Partex tem ligações com países lusófonos. Como vê o sector petrolífero em Angola e a alteração de regime?

É um país que me diz muito porque nasci em Angola. Os sinais da nova presidência de João Lourenço são positivos. Deram um novo contexto ao sector petrolífero angolano. O novo presidente também está confrontado com um quadro macro-económico difícil. Angola precisa de pagar salários aos funcionários, aos professores, aos médicos e a questão dos recursos financeiros angolanos é um problema crucial. O próprio programa do FMI é muito agressivo. Angola tem de fazer uma mudança. A Sonangol era a maior empresa nacional, mas ao mesmo tempo era uma agência petrolífera e um fundo soberano nacional, e transformou-se numa super-companhia. Tem de passar por uma reestruturação. As reservas petrolíferas angolanas são a preocupação principal do país. Angola fez uma aposta importante no pré-sal, mas as descobertas foram muito residuais. O seu potencial petrolífero está nos deltas do Cunene, do Kwanza, e no onshore, onde é riquíssima em energias renováveis. Tem LNG e precisa de repor as reservas que produz. Se isso não for feito o sector petrolífero entra em declínio.

A Sonangol vai manter-se firme na Galp ou pode sair?

A visão que vinha do passado era transformar a Sonangol numa plataforma de investimento em Portugal e em outros países. Esse é um conceito que está a ser revisitado face à nova reconfiguração. O objetivo do novo presidente é por ordem na casa. Os investimentos no exterior são importantes para assegurar uma plataforma de desenvolvimento do país, mas se todo o modelo for reequacionado pode abrir um problema para a Galp. O presidente Angolano veio a Portugal, o que não acontecia há muitos anos, houve uma descrispação da relação bilateral e os dois países só beneficiam em desenvolver as relações políticas e económicas em termos de futuro. Não é nada que não esteja em cima da mesa.

Moçambique será um dos grandes produtores de gás natural a nível mundial?

Sim. Há um sinal fortíssimo em Moçambique que é a aposta que a ExxonMobil fez no país. Sabemos que quando a Exxon entra, as coisas movem-se. É preciso capacitar as estruturas para lidar com esta situação. A magnitude das reservas de gás descobertas em Moçambique ultrapassa as da Nigéria. O segmento do Gás Natural Liquefeito é dos segmentos de combustíveis que mais cresce a nível mundial. Só a China em 2017 importou mais 50% que no ano anterior. Os EUA começaram a substituir o carvão das centrais elétricas pelo gás e as emissões americanas foram reduzidas. Moçambique tem uma localização geográfica que permite abastecer facilmente os mercados asiáticos. É bom desenvolver o gás natural em Moçambique em benefício do povo moçambicano, evitando o que acontece em muitos países onde o desenvolvimento dos recursos naturais se transforma numa maldição, em vez de ser um benefício.

Artigo publicado na edição nº1976 de 15 de fevereiro, do Jornal Económico

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.