Em final de legislatura e a menos de 90 dias das eleições de 6 de outubro, a agenda política desta semana ficou marcada pelo Estado da Nação, em debate entre o Governo e os partidos durante quase cinco horas e em pleno clima de campanha eleitoral. A ocasião seria perfeita para os dois lados fazerem as suas avaliações sobre o nosso país e avançarem com as suas propostas para a próxima legislatura.

Infelizmente, isso não aconteceu do lado dos partidos da frente esquerda que tiveram a responsabilidade na condução de Portugal. Do lado do Governo, liderado por quem os portugueses não escolheram nas urnas, não se praticou o exercício de analisar os últimos quatro anos. E seria útil, na medida em que se testou pela primeira vez na história da democracia moderna portuguesa um modelo de geringonça entre partidos de esquerda.

Em bom rigor, esta coligação informal foi gerida sempre nos mínimos, resultando dela uma casa ‘desarrumada’ que não prenuncia nada de bom. E à boa maneira portuguesa, é mais um formato de ‘quem vier a seguir, que (tente) fechar a porta’.

O ciclo único de oportunidades vivido nestes quatro anos, num contexto económico internacional positivo, impunha a realização de reformas estruturais essenciais ao bom funcionamento do Estado e ao sistema eleitoral, bem como ao reforço de investimentos estruturais que a crise recente obrigou a adiar. Porém, Portugal ficou mais uma vez adiado. O PS nunca se atreveu a ir mais longe, devido à necessidade de manter tranquilos o BE e o PCP, afastando qualquer cenário de crise política que pusesse em causa o seu statu quo.

Isto num país em que o salário mínimo se mantém vergonhosamente abaixo da média da União Europeia, e em que o rendimento do trabalho continua a perder peso face ao PIB. Já para não falar da natureza do vínculo laboral que se degrada: lembro que, no primeiro trimestre deste ano, os trabalhadores com contrato a termo e os trabalhadores noutras situações precárias representavam 21,3% do total, bem acima dos tempos da troika.

Isto num país em que quase um terço da população vive abaixo do limiar da pobreza e de exclusão social. Que, aparentemente com uma economia sustentada, apresenta níveis de crescimento anémicos e obtidos à custa do turismo e do imobiliário, e de uma enorme carga fiscal. Que consegue mais, mas não melhor emprego, estando em queda nos índices de produtividade e poupança. Que vive a ilusão do fim da austeridade, declarada artificialmente pelo Governo, mas não sentida no dia a dia dos portugueses, que continuam a temer o futuro sem esperança e sem rumo, sem paz social e sob a ameaça de incríveis falhas do Estado, como Tancos ou os incêndios.

A democracia vive das alternativas, que devem ser racionalmente avaliadas e testadas nas suas propostas para combater a degradação dos serviços públicos e melhorar a saúde (SNS), a segurança social (acabando com os atrasos nas pensões), os transportes públicos, a segurança ou uma simples renovação do cartão de cidadão. Porque apesar de termos hoje mais funcionários públicos (quase mais 30 mil do que em 2015), vivemos um estado de serviços mínimos, nos serviços que o Estado presta aos seus cidadãos.

Por último e ainda retomando o Estado da Nação, do lado da oposição, apenas o PSD previamente e Rui Rio ousaram, e bem, apresentar um quadro macroeconómico para 2019-20123, dando a conhecer novas propostas para a próxima legislatura, assente no necessário efetivo crescimento económico e nas apostas na promoção do investimento e das exportações, com uma redução (e alívio) da carga fiscal para as empresas e famílias.

Quatro anos sem reformas e sem investimento público, com uma carga fiscal no máximo, mais parece que Portugal se tornou um reality show, onde se fez de tudo menos governar. Onde se prometeu muito e pouco ou nada se recebeu. A hora de terminar este ciclo aproxima-se, pois Portugal não pode viver com serviços mínimos e impostos máximos!