Tributar o setor financeiro é tecnicamente complexo. Politicamente, controverso. Terra fértil para um arranque de verão promissor, com um tributo sobre a banca recentemente declarado inconstitucional no nosso país e com o Parlamento Europeu a divulgar um abrangente estudo onde se dá conta da necessidade de repensar a tributação do setor financeiro na UE.

Somamos a estes aperitivos as diretrizes de Ursula von der Leyen, de dezembro passado, ao Comissário Wopke Hoekstra para identificar “soluções inovadoras para um quadro fiscal coerente para o setor financeiro da UE” e a necessidade de encontrar fontes de receita à escala da UE para financiar o serviço da dívida relacionada com o programa de resgate pandémico do NextGenerationEU, e estão somados os condimentos ideais para um pitéu estival. O prato certo para a dieta de preparação da praia, pensará o prezado leitor.

Definir um quadro tributário sólido e coerente para o setor financeiro é um difícil exercício de xadrez para qualquer legislador fiscal. Instituições tecnicamente sofisticadas, regulação de setor particularmente densa, produtos transacionados que se prestam a uma fácil substituição, presença de risco sistémico, posicionamento do setor na fase intermédia do circuito produtivo, e, nessa medida, potencial de efeitos tributários cumulativos, e apertada concorrência internacional. Regressando à nossa metáfora gastronómica, um verdadeiro caldinho.

Não surpreende, pois, que a variedade de cozinhados abunde. De um ponto de vista técnico, há tributos para todos os gostos, abarcando distintas vertentes da operação das instituições financeiras. Podemos tributar o rendimento líquido gerado por estas instituições através do IRC, como ocorre atualmente em Portugal, eventualmente aumentando de forma seletiva a taxa aplicável ao setor, como decidiram, com mérito questionável, alguns países, ou/e (geralmente “e”) optarmos por tributar as transações efetuadas ou intermediadas pelas instituições financeiras, através de um Imposto sobre as Transações Financeiras – inexistente em Portugal –, ou, em certos casos, como ocorre já em Portugal, através do Imposto do Selo.

Alternativamente, poder-se-á tributar a atividade da instituição financeira, tributando-se, por exemplo, a soma dos lucros que aufere e da remuneração que paga aos seus funcionários, incluindo salários e bónus, através de um Imposto sobre a Atividade Financeira – inexistente em Portugal – ou, então, tributar o consumo dos seus serviços e produtos, por via do IVA, através da eliminação da isenção atualmente aplicável ao setor.

Possibilidade distinta passa por parametrizar a tributação com base na composição do balanço da entidade, tanto no que respeita a passivos como ativos, como sucede com a Contribuição sobre o Setor Bancário ou com o Adicional de Solidariedade sobre o Setor Bancário. Por fim, para que o menu possa ser completo, poder-se-á ainda tributar os lucros do setor considerados “excessivos”, como sucede com os controversos tributos sobre lucros “excedentários” ou “extraordinários” (de um ponto de vista técnico, dependendo das suas caraterísticas, poderão ser reconduzidos a um Imposto sobre a Atividade Financeira).

Mais: o leque de entidades que podem eventualmente ser tributadas é extremamente diversificado. O “setor financeiro” extravasa, em muito, as “instituições de crédito” que pagam a Contribuição sobre o Setor Bancário ou o Adicional de Solidariedade sobre o mesmo setor. A título de exemplo, a definição jurídica de instituição financeira, tal como gizada nas leis europeias, incorpora, ainda, as empresas de investimento, as plataformas comerciais organizadas, os organismos de investimento coletivo em valores mobiliários, os fundos de investimento alternativo, as empresas de seguros e de resseguros, e múltiplas outras entidades.

Definir a abordagem certa, assente num mix eficiente e eficaz de instrumentos fiscais, e parametrizá-la à realidade da economia nacional e ao quadro regulatório europeu, poderá resultar num cozinhado que não se presta a uma digestão fácil, tanto de um prisma técnico, como político.

Mas, como em muitas coisas na vida, a dieta não é só sabor. A saúde da coesão social está também em jogo. O princípio da igualdade, na sua vertente da capacidade contributiva, para os impostos, e da equivalência, para outros tributos, como as contribuições financeiras que visam que o setor financeiro compense a sociedade pelos riscos sistémicos que a sua atividade comporta, necessita de ser integralmente cumprido.

O tema não se padece nem com laxismos nem com análises apressadas. Não me parece, também, que seja uma matéria onde se deva inovar a nível nacional. Neste domínio, o alinhamento europeu é crucial, especialmente no que tange a abordagens mais inovadoras. Acompanhar com afinco, e influenciar tanto quanto possível, os desenvolvimentos em Bruxelas, em prol de uma coesão social nacional temperada pelo sal da justiça fiscal.

Poucas matérias requerem um cuidado no tempero como esta. Sejamos cautelosos, é certo, que o tema assim o exige, mas proativos e exigentes. Uma dieta saudável, que promova a eficiência e resiliência do setor e cumpra o imperativo da justiça fiscal.