A 12 de Junho, Christian Eriksen, jogador da Selecção de futebol da Dinamarca, caiu inanimado em campo, durante o jogo do Euro 2020, com a Finlândia. Um episódio dramático, com cobertura televisiva, que exibiu imagens do jogador, inerte no relvado, enquanto as equipas médicas tentavam a sua reanimação. Os colegas de equipa ordenaram-se, de imediato, para minimizar o aproveitamento mediático. O realizador justificou estar autorizado a “captar a emoção”.
O contexto pandémico enfatizou a noção de respeito pelo outro. Uma doença, uma patologia, um episódio como o vivido por Eriksen, expõe a fragilidade da pessoa, num momento que se impõe subtrair da curiosidade do público, porque reservado e íntimo. Divulgar – ainda que sob a égide do direito de informar – a vulnerabilidade alheia constitui, além de um comportamento moralmente reprovável, um facto antijurídico, porque destituído de título normativo habilitante. Captar a imagem de um jogador antes, durante ou depois de uma partida de futebol, não tem equivalência material com o acto de captar e divulgar a imagem da pessoa que permanece inanimada em campo. Em situações como esta, a publicidade (autorizada em cenários de “normalidade desportiva”), tem de ceder perante a regra geral da reserva e do recato, sempre que alguém é protagonista por razões distintas daquelas que lhe dão notoriedade, e de natureza extraordinária. A curiosidade dos espectadores não pode equivaler a um interesse geral, que legitime desvios à directriz da abstenção de ingerir na esfera jurídica alheia, em particular, quando estão em causa bens da personalidade. Num tempo em que se enaltecem valores fundamentais – como o respeito pela privacidade –, a partilha a que se assistiu, com planos do jogador e da família, com a inerente devassa da intimidade, envergonha. A saúde é um dado sensível, por natureza, reservado. O sofrimento alheio não pode ser explorado com propósitos especulativos. Esta asserção impõe-se sempre que inexista um fundamento material para a publicidade do acto, isto é, um interesse digno de tutela pelo Direito. Foi esta a lição que a Selecção da Dinamarca deu, ao formar um “escudo humano”, para proteger a privacidade de Eriksen.
Entretanto, o jogo foi retomado, no próprio dia. Assistiu-se a uma Dinamarca “anestesiada”, perturbada pela memória recente dos acontecimentos vividos em campo, e pela incerteza do futuro próximo de Eriksen.
Num tempo em que a força maior, a justa causa e a inexigibilidade da prestação fundamentam a adequação dos vínculos, impunha-se uma atitude distinta por parte da UEFA. A decisão de continuar o jogo não assentou num acto de consentimento esclarecido e livre dos jogadores.
O futebol exige técnica, assim como arte, para oferecer a prometida magia; pressupõe o concurso da razão e do coração, a proclamada unidade entre corpo e alma. Uma competição profissional não prescinde de uma pauta valorativa exigente, e da vinculação a regras jurídicas, que têm de ser observadas por todos, incluindo as Instituições, como o organismo de governação do futebol europeu. A censura à UEFA justifica-se, pois, por três motivos: pela ingerência tolerada na imagem e na privacidade de Eriksen; pela decisão de retomar o jogo no próprio dia; pela ausência de retractação. É em momentos difíceis e desafiantes que surge a oportunidade de fazer bem e diferente. A UEFA errou, e não se penitenciou. Shame on you, UEFA.