Se há um aspecto que tem estado no topo das preocupações dos portugueses (e das empresas portuguesas) tem sido o preço dos combustíveis.

Factual é que em cada 20 euros de combustível que colocamos nos nossos depósitos, 12 euros são impostos. Factual, é ainda que, desde Dezembro de 2015, a receita do ISP aumentou 60%, passando de 2,1 mil milhões de euros para cerca de 3,4 mil milhões de euros em Dezembro de 2017.

Olhando para a síntese de execução orçamental em Junho de 2018, e mantendo-se a tendência, é expectável que a receita do ISP aumente mais 2%, só em 2018, afirmando-se como o quarto imposto mais relevante (a seguir a IVA, IRS e IRC), o que representa perto de 10% do valor global da receita fiscal e cerca de 15% da receita obtida com impostos indiretos, i.e., aqueles que não se sentem.

Se o Estado obtém uma tal receita, o mínimo exigível é que os seus serviços funcionem. Poderia seguir caminhos óbvios e falar de incêndios, da saúde, da educação ou de cativações, mas não. Vou-me cingir à economia e, em particular, a uma entidade relacionada com a temática em questão.

A Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis (ENMC) foi constituída em Dezembro de 2013 pelo governo de Passos Coelho, e substituiu a Entidade Gestora de Reservas Estratégicas de Produtos Petrolíferos (EGREP). O propósito da sua criação foi o de simplificar procedimentos e de conseguir reunir, numa só entidade, as competências distribuídas, à data, pela EGREP, Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) e Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG).

Em finais de 2016, por proposta do PCP, que o Governo acolheu, esta entidade foi extinta em tempo recorde – uma semana –, transferindo-se as suas competências para a Entidade Reguladora do Sector Energético (ERSE) e, novamente, para a DGEG, conforme consta do artigo 174.º da Lei 42/2016 de 28 de Dezembro de 2016, que estabeleceu o Orçamento do Estado (OE) para o ano de 2017.

Nos termos da lei, em 30 dias, a ERSE teria de apresentar ao governo um projecto de alteração dos respetivos estatutos, e o Ministério da Economia teria de proceder às alterações da estrutura orgânica da DGEG, no sentido de integrar estas novas competências.

Da referida extinção, de imediato, a única acção levada a cabo, para além de agradar ao PCP, foi despedir o presidente em funções da entidade, nomeado pelo anterior governo (claro!). Apesar do prazo imposto por lei, a entidade não foi extinta, os estatutos da ERSE foram alterados apenas no mês passado (Decreto-Lei 57-A/2018 de 13 de Julho), e o próprio Ministério da Economia não procedeu a qualquer alteração da estrutura orgânica.

Depois de sucessivas trapalhadas, enquanto o secretário de Estado da Energia, Seguro Sanches, assegurava a extinção e transferência de competências da entidade (vide notícias de Março e Maio de 2017), ia, de mansinho, cabimentando, no OE para 2018, mais 26 milhões de euros para o seu funcionamento. E porquê?

Já diz o ditado que “depressa e bem, há pouco quem” e o frete aos colegas de gerin“coiso” saiu furado porque, na ânsia de agradar e assegurar os compromissos para o OE2017, esqueceram-se de fazer o “trabalho de casa”.

A verdade é que se a ENMC fosse extinta nos termos da lei proposta, as reservas estratégicas de petróleo passariam a ser geridas pela DGEG, permitindo aos credores exigir o reembolso imediato do empréstimo obrigacionista de 360 milhões de euros contratado ainda em 2008 (governo Sócrates) pela EGREP, entretanto integrada na ENMC, a um banco espanhol e a um banco franco-belga, com maturidade apenas em 2028.

Note-se que estas reservas não são financiadas pelo OE, mas através de tarifas cobradas pela ENMC às petrolíferas. Porém, se a solução não fosse bem “desenhada”, verificando-se uma eventual situação de incumprimento ou de responsabilidades financeiras acrescidas, quem é que iria ter de suportar o encargo? O contribuinte, naturalmente!

Mas eis que, em pleno Agosto, surge a rendição. Vai ser “criada” a Entidade Nacional para o Sector Energético (ENSE) que, pasme-se, “vai acumular responsabilidades sobre todos os sectores dos combustíveis, da eletricidade, do gás natural e do gás de garrafa”. Isto é, a “Dona Inércia”, durante as limpezas de Verão, resolveu tirar uns tarecos de uma gaveta e metê-los no móvel. Salvou-se o “mexilhão” que, para além dos 60% de imposto que paga em cada litro de combustível, por pouco não levava com mais esta “dívida de favor” para resolver este imbróglio. Caso para dizer: dolce far niente!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.