Ouvimos a esquerda, em particular o PS, repetir ao longo de anos que há mais vida para além do défice. O mote foi dado por Jorge Sampaio em 2003 na sua incansável missão de entregar o poder ao seu PS, com os olhos postos no magnífico José Sócrates. Desde aí, sempre que a direita foi mandatada para corrigir os desmandos socialistas, tivemos que levar com o famoso mote de Sampaio, o mais sinistro presidente da época democrática. Como sempre, chegado ao poder o PS dedicou-se ao que faz melhor, proclamar uma coisa e fazer o seu contrário.

Nunca teremos vivido tão escravos do défice como agora. Sim, bastante mais do que nos tempos da troika que este mesmo PS nos trouxe. No tempo da troika fizemos inúmeros e penosos sacrifícios, mas soubemos sempre a razão de ser destes sacrifícios. Ficámos com menos rendimento disponível, com mais despesa a suportar para pagar os resultados da teia que Sampaio urdiu. Era a política da verdade, por alto que fosse o preço a pagar por esta.

Passos Coelho fez sempre questão de dizer a verdade, de explicar em detalhe o desenvolvimento do plano de resgate. A realidade, e como lidar lúcida e responsavelmente com ela, tomou o centro da relação do governo com os portugueses; se não havia boas notícias para dar, não se inventavam factos que o tempo e a prática desmentiriam. Era um contrato político honesto. Passos repudiou o eleitoralismo até ao último minuto da sua governação.

Depois de afirmar que consigo haveria um virar de página, António Costa fez isso mesmo, virou a página da verdade. Como já nada seria verdade dali em diante, disse que virou a página da austeridade. Desde o dia um do Governo de Costa com apoio parlamentar da extrema-esquerda que passamos a viver em dois planos distintos, o plano do discurso político e o plano da realidade, completamente divorciados um do outro.

Costa tem, como muito poucos, uma facilidade enorme em prometer este mundo e o outro, porque em momento nenhum se sente obrigado a cumprir o que quer que seja. Tem ambições locais e externas evidentes, em Portugal cria um imaginário a cumprir apenas depois de eleições; na Europa cultiva a imagem de sucesso fundada no estrangulamento do Povo e do Estado através de cortes cegos, impostos galopantes e a sua marca de acção: a habilidade das cativações.

Com as famosas cativações, Costa permite-se prometer tudo a todos, ensaiar inaugurações, anunciar grandes medidas, prometer reformas; diz inclusivamente quanto dinheiro aloca a cada grande proclamação, só que o dinheiro destinado nunca aparece. É o Governo do sim, sim, sim, só que não!

É nesta senda, que coloca o Governo de Costa na liderança do populismo europeu, um populismo cínico e de alto custo social, que surge a questão das taxas moderadoras e dos aumentos dos funcionários públicos. Mais uma vez, Costa concorda em dar tudo a todos, para mais em verão eleitoral, só que não.

Todos sabemos, por experiência dura e bem consolidada, que nada acontecerá. Que a saúde pública não aguenta nem mais um cêntimo de corte de financiamento, que está no pior estado desde o 25 de Abril, que sofreu mais agressões neste Governo do que nos 40 anos anteriores, que tem propositadamente uma ministra que se revela diariamente uma liquidatária sem escrúpulos ou vergonha.

No estado a que as coisas chegaram no Serviço Nacional de Saúde, o que se imporia, houvesse decência no Governo, seria a libertação das inomináveis cativações. Seria a dignificação de carreiras, fixando médicos e enfermeiros onde a sua falta compromete a salvaguarda da vida humana. Seria dotando de meios técnicos instalações que entretanto se degradaram até à inoperacionalidade. Seria voltando a proporcionar sem falhas as terapias mais eficazes a cada doente.

É a falha clamorosa de tudo isto, vivida todos os dias por cada um de nós, que está a matar o Serviço Nacional de Saúde. É esta a resposta a dar, já não com urgência, mas em verdadeira emergência.

Acabar com as taxas moderadoras, ancorados na última mentira de Catarina, vindo depois dizer que sim, só que não, é mais um passo para nada acontecer a nível algum. Não, não acabarão as taxas moderadoras; ainda que fosse justo reduzi-las para as pessoas de mais baixos rendimentos ou saúde mais frágil. Está-se apenas criar mais uma largada de foguetes, uma distracção para que na sombra deste circo se continue a nada fazer para salvar a saúde pública. É, de todas as patifarias políticas deste Governo, a que menos perdão merece, por ser a alienação consciente de um dos poucos indicadores de desenvolvimento que nos restavam.

A oposição podia e devia ser activa, enérgica e consequente. Só que também não.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.