O Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) foi surpreendido com a assinatura de um Acordo de Empresa (AE) entre a Ryanair e o Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes de Portugal (STTAMP), que sublinhou, em comunicado, ter sido um “processo exigente, onde era imperativo respeitar a soberania dos trabalhadores”.
O SNPVAC lamenta que “o STTAMP não tenha respeitado o compromisso assumido e até reiterado”, de comunicar ao SNPVAC, caso houvesse avanços negociais significativos, “se realmente ocorrer uma negociação” com a Ryanair.
“Este tipo de atitude é questionável, desrespeitosa e demonstrativa da falta de solidariedade sindical que certos sindicatos têm, num momento tão difícil para a aviação comercial”, lamenta o SNPVAC, recordando que “a vontade dos tripulantes foi respeitada em novembro, quando 90% dos associados rejeitaram uma proposta de ‘AE’ similar, mas mais favorável em relação a este acordo, proposta que o SNPVAC apresentou aos tripulantes com o intuito de demonstrar à empresa que nunca foi uma força de bloqueio”.
Por isso, o SNPVAC defende que “a soberania dos trabalhadores deve ser respeitada. Mas a nossa visão do sindicalismo distancia-se daquela demonstrada pelo STTAMP: enquanto o SNPVAC lutava e luta, no plano político e jurídico, para a manutenção de direitos inalienáveis dos trabalhadores, na luta contra o assédio moral, o STTAMP fazia aprovar um acordo que se traduz na perda de remuneração, perda de direitos e valida um comportamento persecutório da Ryanair aos seus tripulantes”.
“Nesta fase, não ter nenhum AE é francamente melhor do que implementar este acordo que só beneficia uma das partes, dando em troca algo que os trabalhadores já possuíam. Também não é novidade que esta ratificação permite à Ryanair o acesso a milhões de euros do Estado através de programas de ajuda, ao mesmo tempo que reduz direitos”, explica o SNPVAC.
“De igual modo é difícil compreender que um sindicato que se tem mostrado bastante combativo noutras frentes contra a precariedade moral dos seus associados venha agora colocar o seu símbolo e assinatura num acordo que pouco teve de negociação. Talvez por ser a primeira vez que lidam com a aviação, por não saberem o que é trabalhar 12 horas num avião, por desconhecerem o FTL, num sector em que não têm nenhuma experiência”, comenta o SNPVAC, considerando que o STTAMP permitiu “aprovar um documento anteriormente desenvolvido, sem conhecer o historial por trás do mesmo, o porquê da existência de algumas cláusulas ou mesmo da recusa do SNPVAC em assinar o documento”.
“Este ‘AE’ nunca poderá ser a base ‘de uma negociação futura’, visto que contém cláusulas ilegais. Quem o diz não é o SNPVAC, mas os tribunais portugueses. Além da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa acerca dos subsídios de férias e de Natal, no dia 23/03/2021 o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo de Trabalho de Torres Vedras arrasa por completo a argumentação da Ryanair em relação aos subsídios, afirmando que a argumentação da empresa e dos pareceres de juristas, onde se afirma que a retribuição anual já inclui o pagamento dos mesmos, está em total desconformidade com a lei portuguesa e não corresponde à vontade das partes”, diz o sindicato do pessoal de voo.
O SNPVAC relembra que segue “a luta pela dignificação dos tripulantes da Ryanair. A empresa procura uniformizar condições de trabalho precárias com este acordo. Para que tal aconteça, será necessário, primeiramente, que este documento passe no crivo da DGERT e que o Ministério do Trabalho aceite estendê-lo aos restantes trabalhadores. Estamos certos de que as nossas instâncias políticas não irão ser coniventes, evitando a normalização da precariedade e de normas contrárias à lei”.
Recorde-se que a 15 de fevereiro de 2021, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no Juízo do Trabalho de Lisboa, travou o despedimento coletivo que a Ryanair tinha em curso na sua base de Lisboa, segundo informou, na altura, ao Jornal Económico uma fonte próxima ao Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC).
Trata-se do Processo 1820/21.8T8LSB, em que o respetivo juiz concluiu pela “ilicitude do despedimento”, referindo que, “no que tange aos motivos em si mesmos, não se logrou demonstrar que existisse um lugar compatível com a posição dos requerentes, que pudesse ser ocupado por estes”, e dos que indicam, “nenhum deles era suscetível de ser ocupado por eles posto que não havia vagas disponíveis”.
“Por todo o exposto e com os fundamentos invocados o Tribunal julga procedente a presente providência cautelar e suspende a decisão de despedimento com a reintegração dos requerentes”, conclui o juiz na sentença, suspendendo a decisão de despedimento na Ryanair, depois de o tribunal ter julgado procedente o procedimento cautelar de suspensão de despedimento coletivo intentado contra RYANAIR DAC.
Segundo a sentença, foi declarada a “ilicitude do despedimento coletivo nos termos do artigo 383.º do Código do Trabalho e, consequentemente, a suspensão do mesmo até decisão transitada em julgado sobre a mesma, reintegrando os requerentes com a inerente retribuição a que tiverem direito”.
O SNPVAC referiu na altura que “foi com grande satisfação que recebemos durante o dia de hoje a decisão proferida pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa acerca da providência cautelar interposta após o despedimento coletivo levado a cabo pela Ryanair na base do Lisboa, a qual foi favorável aos tripulantes”, considerando que “esta decisão foi uma primeira vitória num processo que se prevê moroso, mas é, indubitavelmente, o corolário da determinação inexpugnável dos tripulantes que há muito, juntamente com o SNPVAC, lutam para que a Ryanair cumpra a lei portuguesa”.
Ainda que no âmbito de uma providência cautelar, “o Tribunal veio a concordar com os argumentos invocados pelos tripulantes de que o processo de despedimento coletivo não seguiu todos os trâmites legais, considerando que o mesmo é, ainda que provisoriamente, ilícito o que implica que todos os tripulantes que levaram o tema a tribunal, tenham de ser agora reintegrados”, referia o SNPVAC.
“Naturalmente que esta decisão está sujeita a recurso e para além disso será necessário avançar com uma ação ‘principal’ para que o tribunal possa apreciar a fundo todas as questões apontadas pelos tripulantes e pronunciar-se, ainda, sobre os créditos laborais que permanecem em dívida e que há muito são discutidos, como são exemplo disso o pedido de pagamento de subsídios de férias, de natal e dos 22 dias de férias, entre outros”, adiantava o sindicato.
Existe “um longo caminho a percorrer, mas sem dúvida que hoje é um dia muito importante para o reconhecimento dos direitos dos nossos associados e da soberania da lei portuguesa”, comentou o SNPVAC, dirigindo “uma palavra de força a todos aqueles que não se conformaram com uma decisão manifestamente injusta e que viram hoje ser dado um passo importante na defesa dos seus direitos”.
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