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SIRESP: 12 anos de suspeitas e falhanços

Já tinha falhado durante o grande temporal do Inverno de 2013 e os extensos incêndios florestais do Verão de 2016. Voltou a falhar no sábado passado, enquanto a zona de Pedrógão Grande era assolada pelo fogo. Adjudicação polémica foi investigada pelo Ministério Público.
25 Junho 2017, 14h00

O desempenho do Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) é uma das questões que levantam mais dúvidas no incêndio de Pedrógão Grande. O sistema falhou no passado sábado, o que terá dificultado as operações de socorro a pessoas e combate aos fogos, e não é a primeira vez que este problema ocorre.

O SIRESP é uma rede de comunicações destinada às forças e serviços de emergência e de segurança. Em janeiro de 2013, durante um forte temporal que assolou o território nacional, o sistema já tinha falhado. O Ministério da Administração Interna assumiu nessa altura que não pode responsabilizar (nem sequer pedir indemnizações) à empresa SIRESP, proprietária do sistema integrado de redes de emergência, pelas falhas.

Durante os incêndios florestais ocorridos no verão de 2016, o SIRESP voltou a falhar, de acordo com um relatório do MAI. O desempenho do SIRESP é uma das questões que o primeiro-ministro António Costa exige que sejam esclarecidas. O mesmo Costa que confirmou a sua adjudicação, num processo repleto de suspeitas.

O SIRESP foi inicalmente adjudicado a um consórcio liderado pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN) em 2005, por um valor de 538,2 milhões de euros. O despacho da adjudicação (estabelecendo uma parceria público-privada) foi assinado pelo então ministro da Administração Interna, Daniel Sanches, no dia 23 de fevereiro de 2005, ou seja, três dias após as eleições legislativas que resultaram na vitória por maioria absoluta do PS de José Sócrates. Daniel Sanches exerceu cargos de administração na SLN antes de ter sido ministro no Governo liderado por Santana Lopes.

Mas não foi o único despacho de Sanches relativo ao SIRESP. No “Diário da República” de 29 de março de 2005 foi publicado um novo despacho (assinado no dia 2 de março), através do qual Sanches conferia à secretaria-geral do Ministério da Administração Interna o estatuto provisório de entidade gestora do processo, de forma a ter poderes para a celebração do contrato com a sociedade operadora, isto é, a SLN, concorrente única.

Os dois despachos foram assinados por Daniel Sanches, nas funções de ministro da Administração Interna, numa altura em que o Governo estava em gestão corrente. O mesmo Daniel Sanches que exerceu cargos de administração na SLN (e em empresas do grupo como a Plêiade e a Esegur) ao longo de oito anos, até ser nomeado para o Governo de Santana Lopes.

O consórcio liderado pela SLN (no qual se incluíam a PT, a Motorola e a Esegur) foi o único que participou no concurso porque as outras quatro empresas (entre as quais a Siemens, a Nokia e a Elocom) convidadas pelo Governo (liderado por Durão Barroso) a apresentarem propostas desistiram logo na fase prévia. Em julho de 2003, o Governo convidou cinco empresas de telecomunicações a apresentar propostas para o negócio, mas apenas o consórcio vencedor remeteu um projeto. Depois de terem pago 15 mil euros pelo programa de procedimentos, os restantes participantes desistiram, alguns deles alegando que o concurso já estaria previamente decidido.

Após a tomada de posse do novo Governo, a 12 de março de 2005, António Costa assumiu o cargo de ministro da Administração Interna e decretou a nulidade da adjudicação do antecessor, com base num parecer da Procuradoria-Geral da República. Porém, decidiu mais tarde renegociar o contrato (incumbindo o seu “melhor amigo”, o advogado Diogo Lacerda Machado, dessa missão) com o mesmo consórcio liderado pela SLN, acabando por confirmar a adjudicação definitiva do SIRESP, embora por um valor ligeiramente mais reduzido: 485,5 milhões de euros, menos 52,5 milhões de euros do que o contrato assinado por Sanches.

Ainda assim, cinco vezes mais do que poderia ter gasto se tivesse optado por outro modelo técnico e financeiro, de acordo com um relatório elaborado em 2001 pelo primeiro grupo de trabalho que estudou a estrutura desta rede de comunicações (e a batizou de SIRESP), liderado por Almiro de Oliveira, especialista em sistemas e tecnologias da informação.

Em 2006, o Ministério Público chegou a abrir um inquérito à adjudicação feita por Daniel Sanches, mas dois anos depois foi arquivada. Entretanto, a SLN transformou-se em Galilei e prossegue a atividade empresarial. Um dos ativos do Grupo Galilei é a Datacomp, empresa de tecnologias de informação que detém uma participação de 9,55% na estrutura acionista do SIRESP.

O restante capital do SIRESP pertence à PT Participações (30,55%), Galilei (ficou com os 33% da SLN), Motorola (14,9%) e Esegur (12%). Recorde-se que Sanches, o ministro responsável pela adjudicação do SIRESP ao consórcio liderado pela SLN, desenvolveu a maior parte da sua atividade na Esegur enquanto foi administrador do Grupo SLN.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão.

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