Muito se tem escrito e discutido sobre Smart Cities, como se o simples avanço tecnológico fosse, por si só, suficiente para transformar a qualidade de vida das populações. Mas é precisamente aí que reside o maior equívoco. A verdadeira inteligência de uma cidade – ou de qualquer território – não está na quantidade de sensores instalados, nem na sofisticação dos algoritmos utilizados. Está, sim, na experiência de quem a vive, diariamente. A cidade (ou vila, ou freguesia) inteligente tem de ser pensada na ótica do utilizador.
É fundamental perceber que as necessidades de um cidadão que vive num centro urbano não são as mesmas de quem vive num território rural ou de baixa densidade. E no entanto, o discurso dominante sobre as Smart Cities tende a ser urbano-centrado, ignorando as especificidades de quem está mais longe dos polos metropolitanos. Esta abordagem uniformizadora ameaça transformar a transição digital num processo excludente, onde quem mais precisa de inovação é precisamente quem mais dela fica afastado.
A cidade inteligente deve, antes de tudo, ser uma cidade (ou comunidade) centrada nas pessoas. Uma localidade que aposta em sistemas de transporte automatizados mas não assegura horários regulares e pontuais falha naquilo que é essencial. Uma aldeia que tem rede 5G mas onde a população envelhecida não sabe – ou não consegue – aceder aos serviços públicos online está a ser deixada para trás. A inteligência urbana (e territorial) tem de resultar em melhorias práticas no quotidiano, visíveis, sentidas e úteis.
Não se trata apenas de tornar o espaço mais eficiente, mas de o tornar mais humano, justo e acessível. Isto implica garantir, por exemplo, que os transportes intermodais são realmente funcionais e compreensíveis para todos, e não apenas para quem domina tecnologia ou vive perto de grandes interfaces. Significa assegurar que um agricultor pode tratar de uma licença online com a mesma facilidade com que um jovem citadino compra um bilhete de comboio através de uma app. Significa também que uma família de uma vila do interior deve poder marcar uma consulta médica digitalmente sem ter de pedir ajuda a um neto ou deslocar-se desnecessariamente ao centro de saúde.
A administração pública digital é um dos pilares das Smart Cities, mas só será bem-sucedida se garantir inclusão e apoio. A digitalização não pode ser um novo tipo de burocracia, apenas com rosto diferente. E, infelizmente, isso continua a acontecer em demasiados casos. Muitas soluções são pensadas de cima para baixo, ignorando a diversidade sociocultural e as reais condições de vida de grande parte da população.
Se queremos territórios mais inteligentes, precisamos de um planeamento com base em dados, sim, mas também com base na escuta ativa. O utilizador – o cidadão – tem de ser envolvido na definição das prioridades e das soluções. Os canais de participação digital são importantes, mas devem ser acompanhados de processos claros de responsabilização: não basta ouvir; é preciso agir em função do que se ouve.
Ao mesmo tempo, é urgente repensar a narrativa política sobre a inovação urbana e rural. As Smart Cities não podem ser uma montra tecnológica para captar investimento ou votos; devem ser instrumentos de coesão territorial e justiça social. Cada euro investido em tecnologia deve corresponder a um ganho concreto para a população – seja em mobilidade, saúde, ambiente, segurança ou cidadania.
Em última análise, a verdadeira cidade inteligente é aquela que melhora a vida de quem nela habita, independentemente de onde vive, da idade que tem ou do nível de literacia digital que possui. O foco não pode estar na tecnologia pela tecnologia, mas sim no seu impacto real na vida das pessoas.
E é por isso que temos de recentrar o debate: as Smart Cities, tal como as Smart Aldeias, só serão verdadeiramente inteligentes quando forem vistas – e sentidas – na ótica do utilizador.