Não sendo especialista nesta temática, francamente, sou daqueles a quem custa dizer mal, por tudo e por nada, do nosso Serviço Nacional de Saúde (SNS). Pelo simples facto de ele representar um dos pilares de uma democracia social e, também, por ter sido obrigado a recorrer com regularidade a esses serviços com níveis de atendimento e de organização que posso considerar como muito satisfatórios.

Mas, claro, não posso desconhecer em geral todos os graves problemas que o SNS enfrenta cujas raízes assentam no seu financiamento e falta de investimento, na escassez relativa de médicos e de outros profissionais de saúde (ainda por cima com fraca valorização das carreiras profissionais), nos modelos de gestão e organização pouco eficazes e eficientes… O que implica, em geral, uma reconhecida insuficiente prestação de serviços em termos de qualidade e oportunidade.

Mas também não posso deixar de reconhecer que casos relevantes de mau atendimento e/ou de má qualidade do serviço prestado são muito alavancados pelas notícias mais alarmantes que a comunicação social entende no exercício da sua missão difundir.

Ou seja, se existem de facto maus exemplos, aqui e ali bem identificados, há toda uma série bem mais numerosa de atos clínicos que correm os seus normais trâmites com sucesso dentro do SNS… Erros e ineficiências existem e sempre existirão, erros muito graves, situações de flagrante descoordenação ou significativos “travões” ao acesso a cuidados no SNS terão que tender para uma não existência.

Mas ao falarmos de SNS (público) devemos ter em conta que temos um setor privado da saúde já bem dimensionado, o qual deve prosseguir a sua atividade, que será sempre lucrativa pois essa é a razão de qualquer investimento privado, captando, pois, os seus utentes seja pela via dos seguros de saúde individuais (e familiares), seja pela via das convenções coletivas de adesão ou outras formas.

E assim existe a possibilidade de uma profícua cooperação do sistema privado de saúde com o SNS (e este deve ser o agente ativo dessa cooperação), já que a universalidade do SNS exige uma capacidade em recursos difícil de internamente atingir. Por isso, e para além duma eficiente gestão em rede dos serviços públicos de saúde, é que bem negociadas parcerias publico/privadas (as PPP), entre outros acordos mais pontuais, darão mais consistência à prestação dos serviços de saúde com vista a satisfazer o essencial, ou seja, as necessidades dos utentes (uma população já envelhecida, atente-se).

Com celebração de PPP e outras formas de cooperação pré-definidas tende a melhorar a capacidade de prestação mais abrangente dos serviços de saúde em boas condições de atendimento e de qualidade, sendo de relevar que sempre pelo SNS foi assumido, por natureza, o papel de se envolver com os casos clínicos mais graves e dispendiosos sejam as urgências hospitalares mais críticas ou os tratamentos regulares mais pesados técnica e financeiramente. Uma sondagem recentemente, feita junto dos portugueses, indicia que uma grande maioria não dispensa o SNS e até uma boa parte considera o SNS globalmente satisfatório. apesar de tudo.

Com efeito, todos sabemos que, em regra, se recorre aos hospitais públicos quando ocorre, por exemplo, um acidente com danos físicos graves ou uma doença súbita preocupante, e muitos sabem que certos tratamentos caros e de longa duração não estão contemplados na generalidade das apólices de seguro de saúde.

É bom que isto esteja presente e é fundamental que os serviços do SNS (dos cuidados primários aos hospitais) exerçam com brio a sua missão constitucional, despida contudo de pressupostos ideológicos ultrapassados… E uma das suas missões é a de serem agentes de formação por excelência de futuros profissionais que um dia servirão o sistema de saúde nacional bem como – sobretudo no caso dos hospitais centrais – estarem envolvidos numa cooperação com todas as instituições universitárias e de investigação na área da saúde.

Acresce que não deviam restar dúvidas que em teoria será, à partida, no corpo clínico do SNS que deverão “residir” os médicos e outros profissionais qualificados para casos mais graves. Deverá ser sempre uma honra – talvez retomar esse espírito que já fez escola – ser profissional no SNS, desde que seja oferecida uma carreira condigna e, ao mesmo tempo se façam os necessários investimentos em equipamentos e tecnologias. Aguardemos o que se irá passar neste domínio decisivo no âmbito de uma mais ampla reestruturação ou reforma do SNS…

Finalmente, cabe uma referência ao facto de recentemente ter entrado em funções a nova Direcção Executiva do SNS, a qual pode potenciar muitas situações de coordenação inter-serviços públicos de saúde, mas também deve empenhar-se em novos e eficazes modelos de gestão e de organização (não se melhora o SNS só pondo dinheiro por cima dos problemas).

Também aguardo aqui os primeiros resultados da atividade desta nova estrutura, reconhecendo que a situação do sistema não é idêntica em todas as áreas geográficas do país… Mas fico perplexo quando tenho notícia de que a lei orgânica desta nova estrutura ainda não foi aprovada Contudo, tal parece não obstar a que esta Direcção tenha já vindo a equacionar medidas importantes com alguma visão de médio prazo (ver entrevista do seu Director ao “Expresso”).

Deixo, no entanto, uma perplexidade “lateral”, mas relevante, que tem a ver com o processo de descentralização em curso das competências a nível do sistema de saúde para os municípios. Esta descentralização já está em curso, ao que parece, mas a lógica que preside à criação de uma Direcção Executiva da Saúde é, a meu ver, de início inevitavelmente centralizadora visando “arrumar a casa” para depois se poder avançar para um processo que “desague” num previsto modelo de regionalização do país (ainda que de pendor mais administrativo).

Como tudo isto se vai compatibilizar num futuro modelo do SNS? Eis a questão!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.