As últimas eleições foram mais uma prova da sapiência milenar do povo português. Cerca de 65% dos votos foram atribuídos a partidos do centro, o PS e o PSD de Rui Rio (muito diferente do partido de Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque). Para além dos outros partidos tradicionais, o BE, o PCP e o CDS, o Livre e a Iniciativa Liberal mostram-se um pouco diferentes pelas ideias que advogam. Mas, como os outros, aceitam as regras gerais da decência, igualdade, liberdade e solidariedade que constituem as marcas de uma sociedade moderna e civilizada.

A grande exceção é o Chega de André Ventura. Se não, recapitulemos aqui algumas das suas declarações recentes: “O que eu não quero mais ver no meu país é terroristas a receber subsídio de inserção”; “Nós podíamos ter aqui jogadas de bastidores relativamente à castração química dos pedófilos, ou relativamente à prisão perpétua e dizer: ‘bom, não é bem isto que nós defendemos’. Não, nós defendemos isto e, ao defendermos isto, é preciso coragem”; “A etnia cigana tem de interiorizar o Estado de Direito porque, para eles, as regras não são para lhes serem aplicadas. Há um sentimento de enorme impunidade, sentem que nada lhes vai acontecer.”

Contrariamente a uma certa atitude expandida entre nós, acho que devemos interpelar André Ventura e o Chega a cada uma das suas afirmações. A ideia do “cordão sanitário” apenas permitirá que este novo partido possa assumir as vestes da vítima a que o “sistema” não permitiria acesso, por atitude de auto-preservação e exclusão de tudo o que lhe é estranho.

Dito de outra forma, não opor uma argumentação lúcida a André Ventura, seria, no fundo, não o combater com as regras que nos trouxeram até aqui: as leis do diálogo, da legalidade e da aceitação da diferença, aquelas mesmas que lhe permitiram a sua chegada ao Parlamento e que ele, no fundo tenta desbancar. Portanto, pela parte que me toca aqui vai.

Não há registo em Portugal de um único terrorista ter, jamais, recebido subsídios. A afirmação de André Ventura foi, portanto, um ato que visou aterrorizar as pessoas, um ato menor de “terrorismo mediático”. Como vai receber um salário de deputado, talvez André Ventura seja o primeiro “terrorista” a ser subsidiado pelo Estado.

Todos os estudos feitos sobre países onde existe a pena de morte e endurecimento das penas concluem não existir qualquer correlação entre esse endurecimento de penas e a diminuição da criminalidade. Pelo contrário. É sistematicamente nos países onde a tolerância é maior que se verificam maiores níveis de reinserção e menor número de reincidência do comportamento criminoso.

De igual forma, nos países onde a intolerância penal existe, as populações encarceradas são percentualmente muito mais elevadas atingindo números absurdos que são, por sua vez, acompanhados por uma percentagem desproporcional de crimes violentos. Nos EUA, 2,2 milhões de pessoas estão presas. Isso equivaleria a termos mais de 65.000 presos em Portugal. Temos apenas 14.000. Não preciso de estabelecer comparação entre o crime violento entre ambos países, ela é evidente.

Finalmente, a etnia cigana. Segundo André Ventura, falta-lhes o sentido do Estado de Direito. Por isso há que endurecer as penas que lhes são aplicadas. Bom, parece que isso já acontece. Os ciganos representam entre 5 e 6 % da nossa população prisional quando são apenas 0,36% da nossa população. Portanto, o que ele preconiza já está a ser feito e o resultado é desastroso. O que a população cigana necessita é mais tolerância, e não menos, mais integração, e não menos, mais igualdade, e não menos, maior aceitação da sua diferença, e não menos.

Olho para o Chega como um perigo para a nossa democracia. É por isso mesmo que o tratarei sempre com a maior seriedade, que tentarei desmontar cada um dos seus argumentos, que me empenharei em demonstrar os seus erros. E, sim, se for o caso, também lhe darei razão. Mas nunca aceitarei a sua natureza e propósitos.