Em tempos de celebrar Abril, o mundo enfrenta uma pandemia, mas o 25 de Abril será sempre o dia em que se devolveu ao país a esperança e ao povo o poder de construir o futuro.

É um dia de festa e de alegria, mas também, e sobretudo, de resistência e de luta. A Revolução dos Cravos pôs fim a 48 anos de ditadura, à opressão, à miséria e deu cor aos dias sombrios, em que a liberdade era uma palavra proibida. Trouxe-nos a democracia, a esperança, as preocupações com a justiça social, com o combate à pobreza, com a necessidade de preservar os recursos ambientais e a paz, pondo fim a treze anos de guerras coloniais contra povos que, também eles, lutavam pela sua liberdade e independência.

Muitos portugueses não sabiam ler nem escrever, a taxa de mortalidade era altíssima, muitas casas não tinham água canalizada, esgotos ou electricidade, e as mulheres não tinham voz nem direitos.

O fim da ditadura não caiu do céu. Foi o resultado de décadas de resistência e luta do povo, que com os capitães de Abril, abriu o caminho que levou ao 25 de Abril. Um povo que, apesar de esmagado pela ditadura, não aceitou mais inevitabilidades, não baixou os braços e gritou “basta” a um país silenciado e amedrontado durante meio século, alcançando conquistas políticas, económicas, sociais, ambientais e culturais sem paralelo na nossa história. Portugal nunca mais foi igual.

Este processo revolucionário abriu portas a avanços que acabaram plasmados na Constituição da República Portuguesa, uma das conquistas fundamentais da revolução e um dos textos constitucionais mais progressistas do mundo.

A adversidade que enfrentamos evidencia, uma vez mais, o valor inestimável e insubstituível do Serviço Nacional de Saúde (SNS), peça fundamental do regime democrático e só possível graças à Revolução de Abril. Se, há alguns meses, nos dissessem que até os partidos mais neoliberais defenderiam um reforço do SNS, não acreditaríamos. Estes tempos têm também tornado mais evidente a necessidade de controlo público de sectores estratégicos.

É preciso proteger os mais vulneráveis das graves consequências económicas e sociais que vêm agarradas a esta crise provocada pela covid-19, pois esta pandemia tem sido pretexto para abusos e atropelos aos direitos laborais, desde despedimentos e imposição de férias a lay-off sem estarem devidamente justificados, e falta de protecção sanitária.

Enquanto se apela à solidariedade e à união, vários grupos económicos e financeiros, apesar dos lucros estrondosos dos últimos anos, decidem cortar nos trabalhadores, aqueles que são essenciais ao desenvolvimento do país, da economia e dos próprios grupos que agora os descartam.

Por tudo isto, comemorar Abril nestas duras circunstâncias é também fazer uma justa homenagem a todos os que lutaram e lutam por um país melhor.

Por tudo isto, é preciso continuar a construir Abril todos os dias, porque há ainda um longo caminho a percorrer e é por aí que temos que avançar, sem desvios. Nenhum sonho é alto demais para um povo que acredita e luta e tem sempre força para avançar. Como tão bem disse Ary dos Santos “só nos faltava agora que este Abril não se cumprisse”.

Não sendo possível celebrar juntos na rua, celebremos cada um em sua casa e aceitemos o repto lançado pela Comissão Promotora das Comemorações Populares do 25 de Abril para que no dia 25 de Abril, às 15 horas, das nossas janelas cantemos a “Grândola, Vila Morena”, que volta a ser a senha para um dia de esperança e de resistência.

Abril é tudo isto, e muito mais, e será sempre revolução. 25 de Abril, sempre!

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.