O programa de expansão quantitativa do Banco Central Europeu (BCE) teve implicações importantes para a economia portuguesa e o recente ajustamento, em baixa, da taxa de referência de -0,4% para -0,5% volta a ter uma importância reforçada. Para além da descida da taxa de referência, a criação de um novo programa de expansão quantitativa, merece, naturalmente, uma análise atenta face à importância que o tema tem e terá, seguramente, nos próximos anos.

Em primeiro lugar, as medidas do BCE têm um alcance enorme e consequências variáveis de acordo com a situação financeira de cada país. O facto do BCE comprar dívida faz com que a vida dos europeus e dos portugueses, em particular, seja menos difícil. Não obstante a enorme carga fiscal vigente, em Portugal, e a estagnação dos salários do sector privado, na última década, e até mesmo a perda de poder de compra da função pública, existem, ainda assim, sinais de consumo de bens e aquisição de imóveis que apenas são possíveis com financiamento a taxas muito reduzidas.

A política monetária do BCE afecta a vida de todos os europeus, mas o impacto é mais evidente nos países mais endividados, nomeadamente, Itália, Portugal e Grécia. Por outro lado, a “garantia” de compra contínua de dívida, por parte do BCE, em montantes previamente conhecidos traz credibilidade e solidez ao euro.

Uma das críticas à medida mais importante e emblemática do BCE, é que com a redução da taxa de referência, os governos não fazem as reformas estruturais que se impõem, e com acesso facilitado a dinheiro “barato” vão adiando as referidas reformas, evitando assim os inerentes custos políticos das mesmas, cuja “factura” surgiria nos actos eleitorais. Muito do mérito relativo à disponibilidade económica dos portugueses deve-se não ao aumento de rendimentos, mas sim às reduzidas taxas de juro cujos indexantes (euribor) apresentam valores negativos em todos os prazos. Toda e qualquer reforma tem custos políticos e sociais que o BCE “anestesia” ou simplesmente adia. Alguns think tanks e lobbies têm-se mostrado ruidosamente contra a política monetária do BCE, argumentando não serem necessários mais estímulos.

As medidas do BCE também têm os seus inimigos internos e estando Draghi de saída e Lagarde prestes a entrar, no próximo dia 1 de Novembro, espera-se que para já não haja alterações significativas da política recente do BCE. Ou seja, no horizonte, não se vislumbram sinais de alterações da política monetária, nem alterações aos limites máximos de compra de dívida pública, embora haja posições manifestamente contrárias de alguns países (Alemanha, França, Áustria e Holanda) contra o novo programa.

O saldo da política monetária do BCE não é uniforme, pelo que há países mais beneficiados (os mais endividados) pelas medidas do que outros – os que tentam obter rendimentos do capital, leia-se os depositantes e pensionistas alemães, por exemplo.

O trauma alemão com a inflação ainda subsiste. Compreende-se, mas não tem razão para existir, dado já terem passado 96 anos sobre a célebre inflação alemã de 1923 e por a inflação média da zona euro, nos últimos oito anos, ser de 1,1%. De igual forma, aceita-se que o sector bancário europeu não goste de pagar para depositar as suas reservas em Frankfurt. Mas tal deve ser entendido como um estímulo à circulação de capital disponibilizando recursos financeiros para as economias nacionais.

A nova política de tiering, que isenta de custos parte do capital que exceda um determinado limite, passa a resolver parcialmente o problema e mitiga a crítica do Bundesbank, mas nem assim alguns governadores deixaram de se manifestar publicamente contra as medidas apresentadas na fase final do mandato de Draghi, questionando até a legitimidade das mesmas nesta altura.

Considerando que as reuniões dos vinte e cinco membros efectivos, que suposta e estatutariamente, não representam directamente os seus países apesar de, na prática, o fazerem descaradamente, decorrem no 41º andar do edifício do BCE, em Frankfurt, podemos afirmar que Draghi tem sido um notável e talentoso afinador de pianos, gerindo as críticas, resistindo a lobbies, sobrevivendo a demissões, corrigindo a “vibração das notas”, controlando assim o “ritmo” e a “melodia” da política monetária da zona euro.

Prestes a concluir o seu mandato no BCE, os europeus devem-lhe um “grazie mille, dottore Draghi”.  O enorme esforço realizado, até agora, valeu a pena. Mas, como sabemos, não chega carregar o piano até ao 41º andar, há que mantê-lo afinado. Continuamente.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.