A Agenda Anticorrupção aprovada pelo Governo tem vários elementos com os quais estou de acordo. Por exemplo, a estratégia de prevenção, que inclui a regulação do chamado “lóbi”, (mais correctamente, “actividade de representação de interesses legítimos”), o reforço da consulta pública nos processos de criação legislativa e o registo da “pegada legislativa”, para que se saiba quem interveio, e a que título, na elaboração de textos legais.
E o incremento de procedimentos transparentes na contratação pública e a adopção de uma política de prevenção de riscos aplicável aos órgãos do Estado parecem seguir modelos de corporate governance há muito adoptados pelas empresas cotadas em bolsa, são iniciativas de aplaudir. Se forem bem implementados.
Também são positivas, embora mais vagas, as medidas propostas para protecção do sector público, designadamente no que toca ao aumento da transparência e publicidade do recrutamento e nomeação para a Administração Pública. Contudo, como estarão dependentes de programas de formação e sensibilização dos agentes públicos e da população em geral, serão de implementação mais lenta, e apresentam alguma vulnerabilidade à burocracia e às pressões criadas pela urgência de resolução de problemas.
Outros elementos que integram esta Agenda, que agrupam duas grandes categorias de medidas qualificadas como “punição efectiva” e “celeridade processual”, fazem parte de um debate mais alargado que respeita à reforma da justiça, quer administrativa, quer fiscal, quer penal.
Nestes capítulos não há respostas fáceis, porque os problemas são complexos.
Concordo com a alteração das regras processuais relativas à fase de instrução dos processos e aos recursos para que as decisões sejam obtidas rapidamente, não se perpetuando por anos e anos, bem como com a criação de novas condições de cooperação entre autoridades judiciárias, órgãos de polícia criminal e outras entidades públicas. São fases onde a actuação é prioritária.
Não me parece muito difícil conseguir estes objectivos sem sacrifício dos princípios fundamentais do Estado de Direito e das garantias de defesa dos particulares. Se é possível na Alemanha, ou em França, ou na Dinamarca, porque não será possível em Portugal?
Mas tenho algumas preocupações relativamente a outras medidas anunciadas, designadamente em matéria de obtenção de prova. São de saudar as iniciativas de actualizar os sistemas informáticos e electrónicos e de dotação das magistraturas de assessorias técnicas que lhes agreguem eficiência e eficácia.
Mas o Estado de Direito assenta no pressuposto de que a liberdade individual tem como único limite a Lei, e no princípio de que as pessoas não são à partida criminosas. Caso existam suspeitas da prática de crimes, devem ser bem fundamentadas e credíveis. É por isso que tenho reticências relativamente à credibilidade (pior, de credibilização, através do de mecanismos de premiação) de denúncias, sobretudo anónimas. E a utilização de meios intrusivos da liberdade e da intimidade, como as escutas, devem ser excepcionais e limitadas no tempo e âmbito, sendo de imediato destruídas todas as que excedam o âmbito inicialmente definido.
E não creio que a perda definitiva de bens suspeitos de terem proveniência ilícita antes de uma sentença condenatória se tornar definitiva possa ser compatível com a Constituição. Mas, no essencial, parece-me um passo certo no sentido do combate a uma situação que afecta gravemente a nossa vida em sociedade.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.