Brevemente, o Governo vai apresentar a proposta de Orçamento do Estado para 2024, onde vai descrever como pretende orientar a actividade do Estado durante o próximo ano. Serão definidas áreas prioritárias e, dentro destas, os problemas fundamentais a enfrentar, quais as acções concretas para os resolver e como pretende o Governo assegurar o financiamento dessa actividade.

2024 inicia um ciclo de três anos eleitorais. Por isso, tanto o Governo e o partido que o suporta no Parlamento, como os partidos das diversas oposições vão dedicar especial atenção ao debate da proposta de Orçamento. Como é natural, as perspectivas serão bem distintas. E, possivelmente, tanto num caso como noutro, como em vários outros segmentos em que se mantêm discussões do mesmo teor, nenhuma das posições está inteiramente certa nem errada.

Neste debate a maioria absoluta torna a vida mais fácil ao Governo porque aritmeticamente garante que a proposta será aprovada. A oposição, minoritária e ideologicamente diversa, não tem um discurso uniforme, e está numa posição mais difícil.

O problema não está na existência de opções ideológicas. As ideologias traduzem distintas perspectivas quanto à organização e desenvolvimento da sociedade, e em democracia criam uma dinâmica que facilita a discussão sobre projectos e iniciativas e a construção de soluções e compromissos. Aliás, penso que as críticas feitas a determinadas decisões do governo, seja ele qual for, por reflectirem opções ideológicas e não critérios de racionalidade de gestão, traduzem elas próprias uma opção ideológica.

Insisto que o problema está na falta de uma discussão nacional centrada sobre o Portugal que queremos no futuro. Queremos continuar a ter uma economia assente em baixos salários, ou será preferível investir na resolução do problema da produtividade que todos reconhecem, incentivando a produção de bens e serviços de alto valor acrescentado, que aumentará as receitas e permitirá o aumento do rendimento disponível?

Como resolver o problema criado pela enorme dimensão da economia informal, que não só traduz a existência de um enorme volume de actividade económica que se efectua ilicitamente, indicando uma enorme ineficiência dos sistemas de monitorização e controlo de que a Administração Pública dispõe, como também, e sobretudo, cria uma enorme área de injustiça relativa por permitir que determinados cidadãos aufiram rendimentos totalmente à margem dos sistemas de tributação e que, por isso, não são considerados para efeitos estatísticos nem para a função redistributiva que os impostos sobre o rendimento também têm, e, por outro lado, aumentam o esforço a cargo dos que declaram regularmente os seus rendimentos?

Neste quadro, deveríamos discutir qual deve ser o papel do Estado e a dimensão da Administração Pública. O elenco dos temas a discutir a este respeito depende da imaginação, mas atrevo-me a deixar aqui algumas perguntas que me parecem interessantes.

Quais as funções que a Administração Pública deve assegurar? Deve o Estado ser proprietário de empresas actuantes em segmentos onde existe concorrência, como no transporte aéreo ou na comunicação social, ou deve concentrar essa actividade apenas em segmentos estratégicos, como a saúde e a educação, onde seja necessário assegurar alguma capacidade de pressão sobre os preços dos serviços prestados ou dos bens produzidos?

Devem as empresas públicas de transportes públicos urbanos ter escopo lucrativo ou serem indutoras de suporte à actividade económica geral, financiadas por recursos públicos? Qual o papel do Estado no mercado da habitação?

Perante o quadro que seja dado pelas respostas a estas perguntas, poderíamos passar a discutir a outra face da questão: como financiar o Estado, e como assegurar uma adequada redistribuição de rendimentos daqueles que mais têm para aqueles que mais carecem.

Que tipo de impostos devemos ter? Que nível de impostos directos sobre o rendimento das pessoas e das empresas? Uma tributação progressiva, segundo o princípio de que que quem tem condições deve contribuir de acordo com as suas possibilidades? Ou uma tributação proporcional, com uma taxa única independentemente do nível de rendimentos?

E os impostos indirectos devem ter taxas únicas por produtos? Ou aproveitar a experiência do IVA zero e reconhecer que existem produtos que devem ser tributados a uma taxa inferior à de outros, cujo consumo está ligado a rendimentos mais altos?

E os impostos sobre o património, devem estes incidir de forma cega sobre a propriedade, independentemente da utilização que lhe é dada, ou reflectir de alguma forma a situação individual do proprietário? E como incentivar e proteger a poupança? Haverá melhor momento para que se pense nestes temas do que a discussão do Orçamento do Estado?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.