A palavra ferrugem é utilizada poeticamente no título para significar indústria de todos os setores (bens e serviços), enquanto a palavra digital pretende significar sistemas para conservar ou transmitir sinais expressos como séries dos dígitos zero e um. Algumas empresas utilizam a palavra produto para também designar serviços e não apenas bens tangíveis.
Em Portugal, a palavra digital alcançou um significado mirífico, muito por culpa da publicidade, e tem sido utilizada também por partidos políticos como se fora uma coisa per se ou uma modernidade por oposição ao analógico, palavra que passou a significar coisa antiga. Na prática, não há oposição: sem máquinas analógicas, tangíveis e ferrugentas (hardware) não há o intangível digital (“manufatura invisível” ou software) e sem digital a maior parte das máquinas hoje não funcionam.
Antigamente era aparentemente simples: as máquinas funcionavam apenas com recurso a tecnologias analógicas (aço, água, carvão que produziam força depois transformada em movimento). Hoje, a complexidade é infinita. As tecnologias digitais utilizadas em conjunto permitem complexidades crescentes e introduzem profundas transformações na gestão, nos processos e atividades organizacionais, competências e modelos de negócio, criando oportunidades e acelerando impactos estratégicos na sociedade. A estratégia industrial tem de ter em conta que as metas são um alvo em movimento, porque a transformação digital é em si mesma um roteiro de mudança e de inovação.
Alguns países utilizam corretamente a palavra indústria para englobar todo o tipo de tecnologias (os métodos, sistemas e equipamentos que resultam de conhecimento científico e são utilizados para objetivos práticos) sem distinguir entre a manufatura de máquinas ou das peças que as constituem e a aplicação de tecnologias digitais nos respetivos processos, sejam eles industriais ou de gestão.
Na Alemanha foi introduzido em 2011 o conceito e a estratégia conhecida como Industrie 4.0 com o objetivo de transformar aquele país em fornecedor de soluções de manufatura avançadas. A iniciativa é baseada na estratégia High Tech 2020 do governo federal e transformou-se, entretanto, na Platform I4.0 que serve de ponto de encontro dos policy makers. Outros países puseram em prática iniciativas semelhantes, como a Estónia (e-Estonia, 2000), Singapura (Smart Nation) ou os EUA (General Electric propôs a “Industrial Internet” em 2012).
O conceito definido pelo Japão quer ir mais longe que a quarta revolução industrial simbolizada por I4,0. Em 2016, a Keidanren (Japan Business Federation) apresentou a estratégia Sociedade 5.0 que resulta de uma análise da evolução humana em cinco momentos: caçadores-coletores; sociedade agrária; sociedade industrial; sociedade da informação; e sociedade super-inteligente (super-smart), ou seja, a Sociedade 5.0.
Esta iniciativa procura abordar vários desafios que vão para além da digitalização da economia em direção à digitalização de todos os níveis da sociedade japonesa, incluindo a transformação (digital) da sociedade ela mesmo. Na prática, os componentes industriais de I4.0 são importantes para a Sociedade 5.0, mas esta incorpora outros stakeholders – cidadãos, governo, academia, etc.
A estratégia 5.0 considera que há cinco barreiras a vencer em direção à Sociedade 5.0:
1. Barreira dos ministérios e agências governamentais: formulação de estratégias nacionais e a integração de um sistema de promoção do governo, um sistema IoT e um think-tank.
2. Barreira do sistema legal: reformas regulatórias e digitalização da administrativa.
3. Barreira das tecnologias: a procura de uma “fundação de conhecimento” em que “dados accionáveis” (actionable data) têm um papel fundacional, assim como todas as tecnologias que a protegem e a alavancam, desde a segurança cibernética, à robótica, nano tecnologias, biotecnologias, e tecnologias de sistemas.
4. A barreira dos recursos humanos: reforma educativa, literacia TI, ampliação de skills digitais avançados, promoção do talento das mulheres.
5. A barreira da aceitação social: a necessidade de criação de um consenso social, avaliação das implicações sociais e éticas, entre outras, da relação homem-máquina, e mesmo implicações filosóficas, como a definição de felicidade individual e sentido de humanidade.
A propostas de policy do Keidanren ao governo incluem: a) conceito; b) questões a serem abordadas; c) ações a serem executadas pelo governo; d) iniciativas da indústria. O elemento fundacional da reforma é a integração do espaço cibernético com o espaço físico (CPS – cyber space and physical space).
O novo modelo parte do entendimento de que é necessário fornecer e dar velocidade através de reformas a novos valores que respondam às necessidades nacionais. Utilizar a força do espaço físico na competição inerente ao CPS e capitalizar na capacidade criadora da “inovação disruptiva” e da inovação baseada em questões sociais e na “manufatura invisível” (software).
Toda a estratégia parte de problemas do país: baixa natalidade; aumento da esperança de vida (super aging); desastres (terrorismo) e alterações climáticas.
E, tal como recomenda o Harvard Growth Lab, que aqui referi na semana passada no artigo “Os programas eleitorais e o segredo do crescimento”, a Keidanren recomenda para o Japão tirar partido das forças atuais que residem na indústria e somar complexidades: a) manufatura (hardware) + “manufatura invisível” (software); b) inovação incremental + inovação disruptiva; c) inovação baseada em tecnologia + inovação baseada em questões sociais.
O roadmap japonês é um modelo que as associações empresariais e da indústria e o governo de Portugal poderiam aproveitar como inspiração para desenvolver uma estratégia nacional fundada no conhecimento e focada no incremento de complexidades em indústrias nas quais já somos bons, e para as quais foi detetada oportunidade para sermos melhores e maiores, com o objetivo de acelerar rapidamente o crescimento da economia, um objetivo para que não bastam atividades de pequena ou moderada complexidade, como agricultura, turismo, têxteis, TIC.