Em cumprimento de orientações da União Europeia, o Governo propôs à Assembleia da República a criação de uma “Contribuição de Solidariedade Temporária Energia” (CST Energia) que tribute os “lucros excessivos” obtidos em actividades “nos sectores do petróleo bruto, do gás natural, do carvão e da refinação”. As eléctricas estão fora deste âmbito, apesar dos preços da electricidade também terem subido – mesmo sem ter origem no carvão ou no gás natural.

A iniciativa é justificada como uma “intervenção de emergência para fazer face aos preços elevados da energia”. A receita será consignada a medidas de apoio financeiro “em especial às famílias vulneráveis” e às “empresas de sectores com uso intensivo de energia” e a iniciativas para ajudar a reduzir o consumo de energia. O objectivo, nobre em si mesmo, é transferir para os utentes parte de benefícios auferidos devido aos efeitos da guerra.

O principal alvo desta iniciativa parece ser o resultado apresentado pela Galp – já foi dito publicamente por vários responsáveis que a CST cobre atividades que em Portugal são apenas desenvolvidas pelo Grupo Galp. Lembrei noutro texto que a Galp é uma holding cujos resultados reflectem a consolidação das actividades de um grupo com mais de 100 empresas, muitas delas localizadas no estrangeiro. Cerca de 2/3 desses resultados provêm da produção no Brasil e em Angola, onde são normalmente tributados.

Ora, a CST Energia não se aplica a resultados obtidos no exterior, mas sim aos resultados gerados em Portugal pela actividade de refinação e distribuição da Petrogal, e pela comercialização de gás natural. Ou seja, menos de 200 milhões dos mais de 600 milhões de euros que a Galp apresentou como lucros nos primeiros nove meses de 2022.

A CST Energia, cuja taxa é de 33%, vigorará relativamente aos exercícios de 2022 e 2023, e incidirá sobre a parte dos resultados das empresas visadas que excedam em pelo menos 20% a média dos resultados obtidos nos últimos quatro anos. Contudo, se essa média for negativa por efeito de prejuízos históricos, a taxa será aplicada à totalidade dos resultados dos dois exercícios em que a contribuição vai vigorar.

Decorre desta limitação um efeito potencialmente perverso. Efectivamente, no corrente ano a margem de refinação da Galp (que é um indicador estatístico que serve para orientação de decisões de gestão e investimento, mas não traduz directamente um resultado financeiro) tem estado a valores anormalmente elevados, devido ao súbito crescimento da procura de petróleo bruto e refinados que a refinação teve dificuldade em satisfazer. Daí resultou uma escassez de produtos refinados cuja cotação nos mercados naturalmente aumentou.

Mas em anos anteriores a refinação da Galp teve dificuldade em atingir resultados positivos, porque a exploração da refinaria de Matosinhos era sucessivamente negativa (e nunca nenhum comentador ou responsável político pensou que isso fosse estranho ou merecedor de nota). A empresa sentiu por isso a necessidade de a encerrar para fazer cessar os prejuízos que vinha acumulando, e para que o melhor desempenho da refinaria de Sines permitisse recuperar a situação.

No limite, a aplicação da CST Energia ignora totalmente os prejuízos acumulados historicamente por uma actividade que tem dificuldade em ser rentável. Em 2022, ano em que se regista a possibilidade de remunerar o investimento feito ao longo de muitos anos, a CST Energia pode fazer com que o imposto aplicado aos resultados gerados pela refinaҫão e distribuição, normalmente tributado a 31,5%, incluindo derramas, seja agravado para 64%, a que se soma ainda a Contribuição Especial sobre o Sector Energético que o Estado cobra adicionalmente não com base em resultados, mas sim no valor dos activos.

Em conjunto, estes elementos poderão levar a que a receita fiscal seja superior à totalidade do rendimento gerado pela actividade de refinação e distribuição do Grupo Galp. Isto poderá não encorajar a Galp a investir em grandes novos projectos em Portugal como biocombustíveis, baterias e renováveis.

A CST Energia parece também responder a sugestões de responsáveis nacionais e estrangeiros, para que os resultados “anormalmente elevados” destas empresas, “fruto do aproveitamento das perturbações criadas pela guerra na Ucrânia” sejam taxados, como se a fiscalidade fosse uma punição. O Governo optou, e bem, por não apresentar a CST Energia como um castigo, mas sim como uma forma de intervenção para corrigir assimetrias sociais.

Também seria importante não ver a CST Energia como um incentivo para o fim da refinação de petróleo. As refinarias não produzem só combustíveis, são fonte de numerosos produtos utilizados por outras indústrias, e para os quais não existem soluções alternativas. É por isso uma actividade que vai continuar a ser economicamente relevante por muitos anos.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.