As repercussões em termos de declarações políticas e agitação social, da morte de Odair Moniz relembraram-me mais uma vez um dos documentos mais importantes que alguma vez se redigiu sobre Democracia e Estado de Direito: a Declaração da Independência dos Estados Unidos da América, escrita por Thomas Jefferson em 1776.

“Assumimos como Verdades que se demonstram por si só não carecendo de justificação, que todos os Homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos Direitos inalienáveis, entre os quais a Vida, a Liberdade e a Busca da Felicidade. Que para assegurar esses Direitos os Homens instituem os Governos, cujos justos Poderes emanam do Consentimento dos Governados.”

Para Jefferson, estes três Direitos, que beneficiam todos os Homens por serem iguais, são absolutos, não se discutem. Exercem-se, vivem-se, respeitam-se, defendem-se, e é em torno deles que toda a vida em sociedade se desenrola. Cabe aos governos assegurar as condições para que esses direitos possam ser exercidos, vividos, respeitados e defendidos, e que o Povo possa viver em segurança e felicidade.

Na sua função, os governos criam Leis que regulam a forma como estes direitos devem ser vividos, sem criar distorções de que resultem privilégios ou défices. As Leis são interpretadas e aplicadas por Tribunais, órgãos especializados e independentes. E como instrumentos operativos, e para assegurar a paz na Sociedade, são instituídas as Polícias, agências fundamentais na preservação da lei e da ordem, mas que podem ter, e crescentemente têm, atribuições de natureza social, tanto na vertente de socorro e assistência em situações de acidente ou catástrofe, como nos domínios do planeamento urbano e na assistência social, sendo assim veículos criadores de coesão social.

Na semana passada, assistimos à demonstração de uma falha grave na forma como o Estado deve agir para conseguir cumprir com as intenções propaladas por Jefferson.

Não temos ainda dados seguros sobre as circunstâncias, em concreto, em que Odair Moniz perdeu a vida. Sendo assim, não deveriam ter sido emitidas opiniões sobre o que se passou. Devemos aguardar que o inquérito produza a informação suficiente para que se tomem decisões.

Mas a PSP parece ter errado ao veicular informação preliminar, não verificada e aparentemente pouco sólida, apontando para uma atitude agressiva por parte de Odair Moniz.

Errou, crassamente, o Chega, cujos dirigentes pretenderam montar uma defesa abstracta do agente envolvido, entretanto constituído arguido no âmbito do inquérito em curso. Ora, a constituição como arguido não significa uma acusação, antes visa dar ao arguido determinados direitos para a sua defesa, que não teria se não o fosse.

De forma ainda mais clamorosa e condenável errou o Chega, ao pretender a diabolização da vítima. Embora não tivesse informação segura sobre o que aconteceu, afirmou que Odair Moniz estaria a fugir da Polícia “e ia cometer crimes, com toda a probabilidade”, e ao transmitir a ideia de que quem habita nos chamados bairros problemáticos (que demonstram mais um falhanço do Estado) é, por natureza, bandido. Sem deixar de os condenar expressamente, não me surpreende que em resposta a este tipo de declarações tenham resultado diversos casos de agitação social.

Mas o pior foram as inqualificáveis declarações do Deputado Pedro Pinto, que demonstram que a vida humana é para ele um valor secundário. Lamentável!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.