O Governo afirmou que terá como prioridade o lançamento de reformas em vários domínios, com especial enfoque nos objectivos de “redução da burocracia, reforma do Estado, investimento na defesa, justiça fiscal e melhoria dos rendimentos”, através da adopção de programas que deverão ser conhecidos e debatidos nos próximos tempos. Para já, ficaram descritas algumas linhas gerais de orientação desses programas, de que, ressalto a disposição anunciada pelo Primeiro-Ministro de “declarar, hoje aqui, guerra à burocracia”, assumindo o compromisso de combater as dificuldades e limitações à criação de riqueza com o objectivo principal de combater “o excesso de burocracia, de regras, e morosidade das decisões e agilidade do Estado”.
Continuo a pensar que não é possível construir um programa coerente de reformas sem antes lançar uma discussão ampla sobre o que queremos que o País seja no futuro, a partir da qual será possível começar a definir medidas destinadas a rever a configuração, os objectivos e a forma de actuação do Estado, aos mais diversos níveis. Mas estou de acordo que a redução da burocracia é fundamental.
Montenegro afirmou, para já, que pretende combater e resolver a “falta de capacidade de articulação entre organismos públicos”, a “demora na resposta às solicitações das pessoas, das instituições e das empresas”, “o excesso de regulamentação” e a “cultura de quintal de muitas entidades, funcionários e dirigentes”.
São boas ideias, que precisam de concretização no terreno, para garantir que a administração pública ganha a eficiência para ser um verdadeiro impulsionador da criação de riqueza, e sobretudo deixar de ser vista como um obstáculo.
Vejo aqui a Justiça como um dos sectores em que é essencial mudar as coisas para conseguir esse objectivo de melhoria de eficiência.
Todos temos direito a uma justiça célere, justa, e aplicada por um sistema profissional independente e bem preparado, que tenha como pano de fundo essencial a salvaguarda da liberdade e da segurança dos cidadãos. Não tenho grandes dúvidas de que o estado actual da Justiça em Portugal não respeita nenhum destes princípios fundamentais, e mesmo se se fizer um inquérito de opinião limitado aos que mais directamente estão ligados ao funcionamento do sistema, as respostas que se recolherão apontarão neste sentido.
E, no entanto, de vez em quando surge um facto que acende uma pequena luz de esperança em que o sistema tem em si próprio alguma capacidade de contribuir para a sua regeneração. É o caso de um recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que identificou uma deficiência importante no funcionamento do nosso sistema de justiça criminal, reconhecendo que em Portugal uma pessoa que seja simplesmente “suspeita” da prática de crimes, sem ser formalmente constituída como Arguida, pode não gozar do mais elementar direito reconhecido aos “acusados”, de poder ter conhecimento dos factos de que é acusado e das razões subjacentes a medidas que tenham sido tomadas sobre si no âmbito de uma investigação criminal, para poder promover a sua defesa.
No caso concreto que o Tribunal da Relação analisou, a decisão reconhece que a legislação portuguesa não está conforme com uma Directiva da União Europeia, e aponta assim indirectamente para a necessidade de se rever a legislação interna, aumentando as garantias dos cidadãos. É um passo que nem sequer foi dado pelo Governo, mas dá ânimo a quem ambiciona por uma melhor Justiça em Portugal.