Leitores, perdoem-me esta crónica que só fala de desgraças num tempo que deveria ser dedicado a palavras de enaltecimento da paz, do amor e de esperança em melhores dias. A meu ver, aproxima-se um ano terrível. 2016 foi mau. Sejamos realistas e prevenidos. 2017 vai ser pior. O ataque terrorista em Berlim e o assassinato do embaixador russo em Ancara dão-nos uma medida do que nos espera. O potencial de mais crises e de mais guerras é enorme.
O líder do Ocidente é hoje o admirável Papa Francisco. Infelizmente, terá manifestado vontade de abdicar. Tal como António Guterres, Secretário-Geral da ONU, o seu poder advém apenas do verbo, da palavra, da capacidade de persuadir – um poder de alcance limitado na medida em que não é sustentado no poder armado, um poder que aqueles dois homens, homens de boa vontade, não dispõem, e que é necessário para evitar guerras e manter a paz.
O Reino Unido, contra a vontade dos restantes membros da UE, decidiu abandonar o clube. O referendo foi decidido por cerca de cinco milhões de votantes que não são eleitores habituais. Muitos mostram arrependimento, mas os que perderam não perdoam. A sociedade dividiu-se e não se sabe como a aventura acabará, pois nem se vislumbra como e quando começará a separação. O Partido Conservador escolheu Theresa May para primeira-ministra, já apelidada de esfinge, provavelmente para esconder o facto de não saber como transformar aquela má escolha numa solução que não penalize demasiado os interesses britânicos e que mantenha a integridade do reino.
A Comissão Europeia é dirigida por um homem sem carisma, que não infunde respeito e que manifesta por vezes ideias revanchistas e um sentido de equidade estranho. Os negociadores do Brexit, entretanto, esperam filosoficamente e em postura ameaçadora que os britânicos digam o que é que querem (o problema é que não sabem). Mas, se o Brexit, um divórcio que pode tornar-se litigioso, é a única coisa que une os 27, então adeus UE. Precisamos absolutamente que os estados membros da UE falem a uma só voz – respeitada e temida.
Nos EUA, a eleição foi decidida por um arranjo constitucional caduco que negou a vitória à maioria dos eleitores. Todos os dias leio crónicas de colunistas de alguns dos principais jornais ocidentais temendo que o governo de Trump possa vir a ser um desastre, mas terminam quase todos do mesmo modo: logo veremos, ou seja, oferecem o benefício da dúvida. Penso que não é preciso esperar. Só os ingénuos e os que não querem ver a realidade, ou os que poderão retirar alguma vantagem económica da administração Trump, poderão acreditar que aquele homem irá, num golpe de magia, transformar-se num estadista de classe mundial, ponderado, diplomata, independente de interesses económicos, em particular dos seus, e afirmar-se como líder do Ocidente.
Em Itália, os eleitores recusaram uma alteração constitucional confusa proposta por um primeiro ministro arrojado, mas irresponsável, que resultou em mais uma eleição para breve. Para além da eleição na Alemanha, que irá colocar Angela Merkel em cheque, e em França, que provavelmente elegerá François Fillon para presidente, um simpatizante de Putin, a Europa apresenta fissuras assustadoras que apenas um centro político forte, corajoso e determinado poderá estancar e unir.
A Rússia montou uma máquina de propaganda, de desinformação e espionagem online de fazer inveja ao KGB. O objetivo, segundo os serviços de inteligência dos EUA, não será apenas criar desconfiança das populações sobre o sistema democrático ocidental e nas suas instituições. Hoje não há dúvida de que houve interferência na eleição presidencial americana. Só não se sabe, e não se saberá, se influiu no resultado. Permanece o envolvimento da Rússia na guerra surda na Ucrânia e na guerra diplomática, aérea e com forças especiais na Síria. A instalação de armas russas com capacidade nuclear em Kaliningrado, no coração da NATO, é alarmante.
Na Síria, o Ocidente tem tudo para se culpar. Barack Obama não cumpriu a ameaça sobre o traço vermelho que Assad não deveria transpor (uso de armas químicas). O Parlamento britânico votou contra o envolvimento na guerra. E os restantes países ocidentais ficaram-se por pias declarações e alguns atos de solidariedade perante as vítimas da chacina. No Iémen, a Arábia Saudita, aliada do Ocidente, está envolvida numa guerra em que, tal como na Síria, o adversário não declarado é o Irão. Como diz The Economist, o Ocidente perdeu, a Rússia ganhou.
A Turquia é um barril de pólvora. Erdogan venceu o golpe militar com um contragolpe e uma extensíssima purga de militares, funcionários públicos, professores, jornalistas, juízes, etc., que ainda prossegue e está a minar a coesão nacional. São milhões de pessoas que passaram a odiá-lo (ainda mais) facilitando o terrorismo, cujas vítimas são quase sempre civis inocentes. A desestabilização da Turquia, um membro da NATO, é gravíssima para o Ocidente. Impõe-se a pergunta: a quem serviu o assassinato do embaixador? À Turquia e ao Ocidente não foi certamente.
Nas Filipinas foi eleito para presidente um homem que admite ter morto pessoalmente três alegados traficantes e que resolveu acabar com o problema da droga à lei da bala. Ao mesmo tempo insulta chefes de Estado de países amigos e destrói a aliança com os EUA. A China já se ofereceu para lhe vender armas.
A China está com problemas económicos. A moeda desvalorizou. Desde há meses que tem vindo a vender certificados do Tesouro dos EUA. Mas aproveitou a eleição de Trump para se apresentar com a compostura estadista que falta a Trump, para além de arvorar duas bandeiras caras ao Ocidente liberal: o combate às alterações climáticas (a poluição em Pequim é aflitiva) e a não defesa do protecionismo. Entretanto, está montar um sistema de vigilância e arquivo online de todos os aspetos da vida dos cidadãos, com a produção de rankings de bom e mau comportamento. Não augura nada de bom. O expansionismo marítimo com a criação de ilhas artificiais armadas em águas internacionais é uma provocação aos vizinhos e foco de alarme. Levou já a idêntica iniciativa por parte do Vietname.
É difícil ter esperança em melhores dias, mas está provado que os otimistas não aguentam quando advêm as desgraças. Os pessimistas, também conhecidos por estóicos, aqueles que são capazes de ver o lado negro das coisas e de prever o pior, embora mantendo inquebrável a força de vencer, são os que têm maior capacidade de sobrevivência. Neste contexto instável e perigoso, Portugal tem de resolver o mais depressa possível a questão financeira, proteger as famílias, promover a economia digital, continuar a melhorar o ensino, fortalecer a unidade dos portugueses e promover a unidade da Europa.