Por vezes ouvem-se vozes que defendem que é necessário afastar o socialismo do Governo, acabar com a governação de esquerda, que vivemos num país socialista, entre outras tolices. O que é o socialismo? Tentando resumir o seu significado histórico: o socialismo é um sistema em que os trabalhadores controlam o Estado e são proprietários dos meios de produção, gerindo-os de forma democrática e coletiva.
A riqueza, o poder e a cultura são socializados. A economia passa a funcionar para o bem-estar dos trabalhadores e das pessoas em geral e não para a acumulação privada de capital. Valia a pena realizar o seguinte exercício: quantas medidas haverá no Orçamento do Estado (OE) para 2020 ou na governação do Partido Socialista que possam ser relacionadas com socialismo?
Analisando a proposta de OE 2020 que está a ser debatida na especialidade podemos verificar a política orçamental para o trabalho: na função pública, os trabalhadores (depois de dez anos sem atualizações remuneratórias) têm aumentos de 0,3%. Os reformados e pensionistas têm atualizações entre 0,2% e 0,7%. Tendo em conta que a inflação prevista para 2020 é mais elevada, significa que vão perder poder de compra e empobrecer.
Não se alteram os escalões do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS) e deste modo a progressividade e a justiça social no IRS é afetada.
Aliado a isto as condições de acesso à reforma agravam-se. O Governo aumentou recentemente (através de portaria) a idade legal de acesso à reforma: passa de 66 anos e 5 meses para 66 anos e 6 meses a partir de 2021. E quem se reformar antes da idade legal de reforma para além de perder 0,5% do seu vencimento por cada mês que falte para atingir a idade legal, vê a penalização do chamado fator de sustentabilidade agravar-se de 14,7% para 15,2%.
A legislação laboral continua altamente desfavorável para os trabalhadores e o Governo não a quer corrigir. E podíamos continuar.
Em suma: mesmo com crescimento económico os trabalhadores empobrecem. A repartição do rendimento nacional vai provavelmente continuar na sua tendência de agravamento em favor do capital em detrimento do trabalho (em 1975, o ano mais favorável ao trabalho, os trabalhadores recebiam em torno de 60% do PIB, em 2018 recebiam em torno de 34% do PIB).
A precariedade laboral aumenta e o desemprego é mais elevado do que apresentam as estatísticas. O dinheiro para a banca privada e benefícios para grandes empresas esses estão sempre presentes. O cumprimento escrupuloso do Tratado Orçamental (provavelmente insustentável) é desígnio governamental e nacional quando no passado se falava em “leitura inteligente”.
A dívida pública, que assumiu prejuízos privados e baseada em parte em negócios duvidosos, é um estratagema de extração de riqueza social e nacional para o exterior. O Estado português demonstra claramente estar ao serviço das elites financeiras nacionais e internacionais e os trabalhadores são chamados a pagar as “contas certas” de Mário Centeno.
Um governo conservador, democrata-cristão e mesmo liberal podia ser mais favorável aos trabalhadores, “socialista” e de “esquerda” do que este Governo sem ser incoerente com a sua ideologia. Por isso haja honestidade: nem o OE 2020 nem o Governo da República Portuguesa são socialistas, exceto no nome.