Após a audição de mais de 200 testemunhas, cerca de 200 buscas e 500 contas passadas a pente fino, o país ficou a saber que o Ministério Público (MP) tinha deduzido acusação no âmbito da Operação Marquês. Uma acusação contra 19 pessoas individuais, entre as quais duas figuras marcantes da vida nacional: José Sócrates e Ricardo Salgado. O antigo primeiro-ministro irá a julgamento acusado de 31 crimes enquanto o banqueiro dos dois regimes responderá por 21.
Como era expectável, não demoraram as reações de Salgado e de Sócrates e dos seus representantes. Declarações que estão na linha daquelas que proferiram antes do anúncio da acusação. A negação veemente de qualquer responsabilidade. A reafirmação de que o MP construiu uma narrativa sem qualquer base de sustentação. Uma cabala que importa desmascarar. Daí a entrevista de José Sócrates à RTP.
Uma entrevista dada numa sexta-feira 13. Dia de mau agoiro para os mais crédulos. Agora com novo motivo para a crendice. Então não é que a entrevista foi interrompida pela entrada em cena de outra peça? Só pode ter sido força oculta.
Ocultas continuam, segundo Sócrates, as provas do Ministério Público. Ocultas porque inexistentes, ainda na versão socrática. Provas sim, levava-as ele. Por isso exibiu um documento que, na sua leitura, deitava por terra um dos elementos da acusação. Elemento de onde decorrem outros. Um artifício em cascata.
Um entrevistado difícil. Tendência de sempre. Prefere o monólogo. Daí a dificuldade em controlar a irritação quando é interrompido.
Entrevistado que não se coibiu de emitir juízos negativos sobre o entrevistador devido às questões colocadas. Alguém que prometeu que, no final, não ficará uma folha de acusação das resmas colocadas em cima da mesa. A narrativa, baseada em suposições e não em provas, terá o destino de um castelo de areia.
O que Sócrates não consegue explicar de forma cabal é a razão para a atuação do MP. O que levou sete magistrados – e não apenas Rosário Teixeira – a produzir um despacho de tal gravidade. Reduzir tudo à perseguição política é manifestamente insuficiente. A luta do foro pessoal entre duas siglas trocadas – o ex-PM e o MP – não colhe.
O julgamento ainda vai demorar. Entretanto, continuará no espaço público. Circunstância que contribuirá para alimentar a discussão entre os defensores e os acusadores dos réus. Os primeiros em crescente desvantagem numérica a fazer fé nas cada vez mais reduzidas manifestações de apoio. Bastou contar os presentes na apresentação do novo livro de Sócrates. Ou os silêncios do Governo. O segredo de justiça não explica tudo. O outrora menino de ouro do PS está por sua conta. Conta(s), uma palavra-chave na acusação.
Num pormenor Sócrates tem razão. Um castelo acabará por desmoronar. Seja a fortaleza do Ministério Público ou o sistema assente na lógica camarada e na cultura de cumplicidade.
O embuste não nasceu por geração espontânea. Há que provar a paternidade. A culpa não pode morrer solteira. Para descanso de muitos. Para preocupação de outros. Que não são assim tão poucos.