Sócrates acusa a procuradora-geral de “transformar um processo que devia ser igual num processo excecional”. Mas, à luz do direito processual penal português, será a Operação Marquês um caso anómalo? A 4 de setembro de 2015, Sócrates sai do estabelecimento prisional de Évora para se manter em prisão domiciliária. Esteve dez meses detido preventivamente. Esta medida de coação foi legal à luz do perigo de perturbação da obtenção da prova e do risco de fuga. Levantada só quando o Ministério Público, perante um importante acervo de prova, considerou diminuída a suscetibilidade de a mesma vir a ser prejudicada por ações ilegítimas do arguido. Ora têm sido tomadas pelos tribunais decisões idênticas em milhares de casos como este.

Mas poderia, então, Sócrates estar detido preventivamente por mais de seis meses? Sim, desde que o processo fosse classificado formalmente de complexo, o que aconteceu. O próprio Tribunal Constitucional rejeitou um recurso que Sócrates interpôs para ver declarada a inconstitucionalidade da sua prisão. Devido às consequências políticas, António Costa, secretário-geral do PS, descomprometeu o partido do seu antigo líder. Sócrates passaria a lutar sozinho contra uma justiça, para ele impiedosa, e sem o apoio de uma máquina partidária.

A suposta violação dos prazos do inquérito é mais uma das batalhas travadas pelo ex-primeiro-ministro, mas sem sucesso. A lei penal define prazos máximos meramente indicativos para o encerramento dos inquéritos, não prevendo sanções para a sua violação. Há, aliás, casos semelhantes como a Operação Furacão, em que um dos inquéritos durou 11 anos, e o processo Monte Branco, cuja investigação dura há cinco. É comum os prazos serem alargados em crimes mais graves e de complexidade comprovada, como terrorismo, branqueamento ou corrupção, em que existe uma dilação justificada pelos pedidos de colaboração judiciária internacional e pelas peritagens minuciosas de operações financeiras. Mas é irrefutável que a demora na investigação leva a duas consequências negativas: o eventual fim do segredo de justiça e a perda da prova.

Sócrates reafirmou-se, ainda esta semana, vítima de campanha maldosa e difamatória. Embora sejam legítimas as suas declarações, no âmbito da liberdade de expressão, a reserva de opinião poderia configurar a forma mais inteligente de defesa. O treino político de Sócrates e o seu traquejo retórico, que o ajudaram durante tantos anos na sua vida partidária, não têm, agora, sido bem capitalizados. Afinal, para quem sempre disse ter “total confiança nas instituições da Justiça”, esperar-se-ia que mantivesse esta convicção e defendesse que a mesma tem de ser igual para todos.