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Sofia Guedes Vaz: “Não podemos continuar a crescer ilimitadamente num sistema finito”

Urge adotar novos estilos de vida. Desperdiçar menos, consumir menos. Escolher melhor, sensibilizar mais. Pensar que ‘ambiente’ rima com cidadania, bem-estar e justiça social, e menos com ciclovias e ecopontos. E que devemos sonhar com ética e menos egoísmo.
6 Julho 2019, 11h07

Sofia Guedes Vaz, autora do ensaio “Ambiente em Portugal”, publicado pela FFMS, não acredita no crescimento ilimitado num sistema finito. Elogia os discursos de Greta Thunberg por porem a nu “a hipocrisia entre o que dizemos e o que fazemos”. E lembra que “nós podemos dizer pouco, mas os jovens podem dizer muito porque ainda não estão aprisionados pela realidade”.

Três perguntas a uma investigadora que tem colaborado com organismos públicos e privados, nacionais e internacionais, na área do ambiente e que tem colocado em diálogo a filosofia e a engenharia do ambiente. Problematizar para depois resolver problemas? Acima de tudo pensar e comunicar temas ambientais, porque a “esperança é contagiosa”.

Como vê os recentes protestos de jovens em todo o mundhábitos eo sobre a inação dos decisores políticos e empresariais relativamente às alterações climáticas?

De 25 de abril até 10 de Maio de 2019 fui de Lisboa ao Porto a pé, um projecto que intitulei 555 mil passos a pensar ambiente. O principal objectivo desta caminhada foi prestar homenagem a Greta Thunberg, aos jovens, aos meus filhos. Queria também sensibilizar e inspirar as pessoas a pensarem mais ambiente e por isso todos os dias falei no noticiário da manhã na TSF sobre sustentabilidade, sobre Greta, sobre o Portugal que fui encontrando.

Ou seja, sou grande fã de Greta e de todos os miúdos que nos estão a acordar do torpor confortável das nossas vidas consumistas. Os discursos de Greta apontam para a hipocrisia entre o que dizemos e o que fazemos. Greta diz que o rei vai nu e nós não tínhamos até agora ninguém que o dissesse tão eloquentemente. As alterações climáticas estão intrinsecamente ligadas ao nosso sistema energético que é o motor do nosso sistema económico que é a base do nosso sistema político. Não podemos continuar a crescer ilimitadamente num sistema finito.

Nós podemos dizer pouco, mas os jovens podem dizer muito porque ainda não estão aprisionados pela realidade. Os miúdos acreditam que o sistema pode mudar e essa é a premissa base para que mude. A próxima greve será a 27 de setembro de 2019, e para esta, os jovens estão a tentar conquistar os adultos para que se transforme numa greve geral, porque como dizem nos seus cartazes – não há planeta B.

A forma como consumimos tem impacto no ambiente. Os cidadãos dos países ricos estarão dispostos a adaptar os seus estilos de vida para reduzir esse impacto? Como podem fazê-lo?

Todos nós como consumidores contribuímos para problemas ambientais como as alterações climáticas, a poluição do ar e da água, a produção de resíduos, o uso do solo e de recursos naturais, ameaças à biodiversidade. A minha proposta é olhar para o consumo como uma questão ética. Muito do nosso consumo é determinado por factores fora do nosso controlo. São as lojas ao nosso alcance, o dinheiro que temos disponível, o ordenamento de território, a existência de infra-estruturas (tais como transportes públicos).

Mas há uma fatia grande do consumo que é intencional e nesse podemos escolher produtos ou serviços éticos porque respeitam os direitos humanos, ou os direitos dos animais ou o respeito pela natureza. Esse é um consumo positivo: comércio justo, sem crueldade para com animais, produtos reciclados ou recicláveis ou re-utilizáveis ou produzidos localmente.

Há também um consumo negativo, ou seja, não consumir determinados produtos, ou fazer boicotes a marcas, produtos ou serviços. Noutra vertente podemos considerar o consumo como um problema de injustiça intra e inter-geracional. A nossa imaginação moral é limitada no espaço e no tempo. Assumir que as nossas condutas afectam as vidas do Outro distante em espaço (outros países) e em tempo (gerações futuras) pode ser inspirador.

Não quero dar exemplos, a ética do consumidor assenta numa reflexão individual sobre a responsabilidade das nossas escolhas pessoais. Implica um investimento pessoal em pensarmos como é que o nosso estilo de vida afecta os outros, o planeta, a natureza, as gerações futuras.

O que pensam os portugueses sobre a biodiversidade e o que sabem sobre o tema?

No dia 6 de maio de 2019 foi divulgado um relatório pela Plataforma Intergovernamental de Ciência-Política sobre Biodiversidade e Serviços do Ecossistema referindo que há um milhão de espécies em risco de extinção. As ameaças são muitas e para parar esta curva ascendente de ameaças à biodiversidade temos que mudar de rumo na forma como interagimos com o planeta.

No entanto, com os dados do último Eurobarómetro da União Europeia também publicados em 2019, só 51% dos portugueses terão compreendido esta notícia, sabendo o que é a biodiversidade. Já 23% dos portugueses identificaram que haveria um problema, porque já ouviram falar da biodiversidade, mas não sabendo o que é, poderão ter ficado um pouco confusos. Para 25% dos portugueses esta notícia, e outras sobre este tema são indiferentes porque não sabem nem nunca ouviram a palavra biodiversidade.

Para outras perguntas do Eurobarómetro os portugueses revelaram sensibilidade ao tema da natureza e biodiversidade. Por exemplo, 79% dos portugueses inquiridos afirmaram que temos responsabilidade em cuidar da natureza e 72% acreditam que a nossa saúde e bem-estar estão assentes na natureza e biodiversidade. Já agora, biodiversidade é o conjunto da diversidade de seres vivos, de genética e de ecossistemas, e dela depende o equilíbrio ecológico do planeta.

Em Portugal há 35.000 espécies de animais e plantas, ou seja, 22% da totalidade de espécies descritas na Europa e 2% das do mundo, o que dá bem a ideia da nossa biodiversidade.

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