Quem lesse as notícias em Portugal esta semana deparar-se-ia com as recomendações feitas por dois peritos da ONU em relação aos direitos humanos e, mais especificamente, a habitação condigna no nosso país. Ao que parece, e tal sendo expectável para mim, ainda existem muitas medidas a tomar para que a população, no seu todo, tenha acesso ao que muitos damos como garantido: um tecto, saneamento básico e água.

Se olharmos para as estatísticas da UE, Portugal nem está muito mal classificado no que diz respeito à habitação e aos dados gerais, mas para aferir estes assuntos, ainda que muito brevemente, há que analisar outro tipo de informação, outros indicadores, que no nosso caso ainda são muito preocupantes. Falo, por exemplo, dos dados para 2015 do Eurostat sobre população em risco de pobreza ou de exclusão social, e que colocam Portugal num pouco animador 19º lugar (26,6 %). Este número está acima da média geral da UE (23%) e ainda mais distante dos lugares cimeiros quando considerados os Estados membros cuja moeda é o Euro (20%).

Estes resultados não são de hoje e aumentam ou diminuem percentagens decimais aqui e ali, sem grandes picos de diferença ao longo dos últimos anos. Contudo, os tempos de crise parecem afectar negativamente, com um aumento, a percentagem da população em risco. Esta informação não deve deixar de suscitar preocupação.

Sendo esta uma agenda político-partidária, ou não, a leitura feita no terreno por estes especialistas faz retornar à esfera pública o debate sobre os erros cometidos nos últimos tempos com políticas mais motivadas para a austeridade do que para a sustentabilidade do dia-a-dia dos portugueses. Pergunto se, enquanto país, tínhamos e temos que lidar com esta dura realidade que foi e é a crise? Temos. Mas será que lidámos com a crise da melhor maneira? Não, na minha opinião.

As histórias de casos conhecidos por cada um de nós de um empobrecimento da população não podem ser negligenciadas. Essas histórias são reais mesmo que não nos afectem directamente, e essas histórias poderiam, e teriam, sido minimizadas adoptando outras políticas públicas e reagindo mais de acordo com aquilo que são os princípios de equidade tão caros ao Velho Continente. As franjas da sociedade que se vão perdendo nas contas da água, da luz e do supermercado são os derrotados não só de um sistema mundial em constante evolução, mas também, de um país que a pouco e pouco se foi “vacinando” para as más condições de vida de alguns dos seus cidadãos. Falamos de desempregados, pensionistas, migrantes e crianças, falamos de um risco que todos nós enfrentamos. Falamos dos nossos vizinhos, também nas zonas urbanas. Falamos de quem ainda está limitado nos seus mais básicos direitos. Há que dizê-lo bem alto e não deixar que esta informação se perca dentro de fronteiras ou entre percentagens.

Quando falo com colegas europeus, por norma pessoas conhecedoras das políticas que se negoceiam em Bruxelas, constato que reagem sempre com um misto de surpresa e incredulidade. A norte dos Alpes, o sol, ainda que escasso, é potencialmente para todos e, curiosamente, o saneamento básico e a água também.

A autora escreve segundo a antiga ortografia.