Daqui a muitas décadas, como irão as futuras gerações falar da Grande Pandemia de 2020? Como irá figurar este momento histórico nos manuais escolares? Como a crise que causou a disrupção do sistema económico numa escala nunca antes vista e  permitiu reconstruir um novo sistema com uma nova forma de pensar mais justa e equilibrada, ou como a crise que perpetuou outro ciclo de empobrecimento e endividamento?

A opção que fizermos por estes dias ditará o tom e a forma como viveremos o resto do séc. XXI. Lideranças populistas-nacionalistas, como as de Trump e Bolsonaro, insistem na retoma da economia a todo o custo, indiferentes às consequências da propagação da Covid-19, deixando os grupos de riscos entregues à sua sorte. A sua ignorância e irresponsabilidade são criminosas.

A Europa parece escolher um caminho melhor. A gravidade da situação em Itália, onde o surto atingiu números aterradores, fez soar os alarmes pelo continente, que se apressou a colocar as suas populações de quarentena, uma das poucas medidas que mostrou eficácia a conter o contágio, face ao exemplo dado por Wuhan, na China.

Mas se a resposta a esta crise de saúde pública tem sido, até agora, correta, o que podemos dizer em relação às medidas propostas pelo Governo português para ajudar a salvar as centenas de empresas e trabalhadores afetados por esta paragem forçada?

O Estado parece estar ciente das necessidades, mas apresenta as soluções erradas. A paragem total de centenas de empresas em setores cruciais da sociedade não pode ser brindada meramente com linhas de crédito (as já muito batidas linhas PME) a taxas absurdas, ou apoios de Segurança Social minados de pré-requisitos e burocracia. O plano de salvação nacional da economia português não pode limitar-se a estas medidas totalmente irrealistas. Será agora, no fim do mês, com o pagamento de salários e cobranças de empréstimos, que enfrentaremos as primeiras provas de fogo.

Neste cenário, não é difícil prever o regresso da austeridade em novas formas encapotadas. A solidariedade será substituída por sacrifícios. Seremos convencidos de novo que estamos a viver acima das possibilidades.

Os bancos e instituições privadas continuarão a sobreviver e a enriquecer à conta do erário público, enquanto o setor público será reduzido e os mais pobres suportarão de novo o fardo da crise. Vejo as lideranças europeias seguirem este caminho com demasiada facilidade, como já o fizeram no passado, a não ser que a evolução da situação pandémica siga um novo curso, uma vez que ainda há muita informação que se desconhece sobre o coronavírus.

A resposta a esta pandemia não pode ser menos do que um gigantesco e global plano de estímulo económico que não coloque o fardo da crise nas populações, mas que as ajude a ultrapassar as dificuldades.

As lideranças não podem aproveitar-se de populações vulneráveis e impotentes para imporem planos de sacrifício e endividamento que destroem a sua qualidade de vida e as lançam em modo de sobrevivência. Se for este o caminho escolhido, então a atual disrupção será muito mais longa e muito mais fraturante, tomando novas formas imprevisíveis.