Os solos, apesar de muitas vezes desvalorizados, são um recurso precioso e a sua contaminação representa um perigo para a saúde pública e o ambiente. Estima-se que existam cerca de 2.000 sítios contaminados em Portugal. Lisboa não é excepção e o problema está longe de se encontrar resolvido. Aliás, é muito preocupante o que se passa em terrenos outrora ocupados por actividades poluentes.

Por isso mesmo, a Assembleia Municipal de Lisboa promoveu, por iniciativa do Partido Ecologista Os Verdes, uma audição pública para dar voz às associações e aos cidadãos sobre esta temática.

Desde logo, é de salientar a ausência da Câmara Municipal, que tem responsabilidade ao nível do licenciamento e da fiscalização urbanística, demonstrando um total desrespeito pela Assembleia Municipal e pelos cidadãos. Numa altura em que Lisboa é a Capital Verde Europeia, uma oportunidade para dar passos seguros com vista à resolução da contaminação dos solos, esta postura é lamentável.

Em 2016, as obras de construção de um parque de estacionamento subterrâneo do Hospital CUF Descobertas, no Parque das Nações, em solos contaminados por hidrocarbonetos foram a ponta do icebergue e um exemplo claro do que não devia ter acontecido. Depois da polémica, fez-se tudo e mais alguma coisa, mas grande parte dos solos já tinha sido removida.

Infelizmente, os casos repetem-se. Têm sido vários os projectos urbanísticos – no Parque das Nações, no Campo das Cebolas, em Braço de Prata, no aterro da Boavista e, recentemente, em Pedrouços, com a expansão do edifício da Fundação Champalimaud – que iniciam as obras sem uma avaliação prévia da contaminação e as análises só são realizadas com os trabalhos já muito avançados.

Em última instância, nada nos garante que os solos contaminados não são tratados como inertes e até, sem qualquer tratamento, usados em novas obras. Ou seja, o perigo mantém-se, mas noutro local.

Convém recordar que é muito mais barato encaminhar terras com resíduos não perigosos do que solos classificados como perigosos, o que explica muitos procedimentos errados.

Nesta altura é natural que nos questionemos: como permitem a CML e a CCDR, que é a autoridade regional para os resíduos, que isto aconteça e onde andam, afinal, o controlo prévio e a fiscalização das operações urbanísticas?

A verdade é que Portugal é um dos poucos países da União Europeia sem legislação específica sobre solos contaminados e que não dispõe de qualquer mapeamento de áreas contaminadas. A lei para a Prevenção da Contaminação e Remediação dos Solos – ProSolos está na gaveta desde 2016 e parece encontrar-se indefinidamente em análise por parte do Governo. Não sendo 100% perfeita, permitiria suprir uma lacuna no quadro legislativo nacional, regular as principais responsabilidades na gestão de solos e melhorar as condições de protecção do ambiente.

Por outro lado, o Plano Director Municipal de Lisboa determina que é obrigatória uma avaliação da perigosidade nas áreas onde existiram actividades poluentes e, em situação de risco, sendo igualmente obrigatório um plano de descontaminação antes de qualquer intervenção urbanística. Assim é em teoria, mas na prática isso não se tem verificado.

Até lá, sucedem exemplos de errada classificação e encaminhamento dos solos e aumenta a perigosidade para todos os que estão expostos – os cidadãos que habitam e usam os serviços instalados nesses terrenos e os trabalhadores das empresas de construção que lidam com solos contaminados sem qualquer equipamento de protecção.

Daí a importância de ser elaborada e divulgada a lista das obras em locais contaminados. As populações precisam de ter a certeza que o princípio da precaução é concretizado, precisam de poder confiar e ter acesso à informação. Isso não está a acontecer.

Perante este perigo silencioso debaixo dos nossos pés, não pode haver margem para desculpas ou facilitismos, nem os interesses económicos podem sobrepor-se à protecção das pessoas e dos ecossistemas.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.