(Há 20 anos atrás, numa outra vida e num outro circunstancialismo, ouvi uma pessoa que tinha sido quase morta politicamente declinar um pretenso convite envenenado com uma igualmente assassina frase: “Todos os poetas mortos são óptimos”. Não é o caso de João Semedo. Nunca tendo votado nele, encabeçou lutas que também eram as minhas, numa altura em que não era fácil. Na realidade, sejamos claros, nunca foi fácil. Os (maus) hábitos não se quebram por decreto mas, sem este, é ainda mais difícil eliminá-los. Tento não ser hipócrita e não cometer o erro comum de elogiar os mortos como se tratassem dos nossos melhores amigos mas, no que a ele se reporta e sem nunca o ter conhecido, fica aqui o meu agradecimento. No final, o que conta não é o que dissemos fazer mas o que, de facto, fomos capazes de fazer por terceiros. E ele fez. A melhor homenagem que se lhe poderá prestar, parece-me, é continuar a lutar porque ainda há muito trilho para percorrer. Como se verá infra.)
Com quase todos os portugueses a pensar em praia e mar, somos confrontados com a inexplicável prescrição das coimas aplicadas aos partidos políticos, em notícia de capa para o verdadeiro início da silly season. Para os que não sabem, o Tribunal Constitucional é um órgão eminentemente político, cujos juízes não são todos de carreira. Costumo dizer aos meus alunos que, da mesma forma que não gosto de jogar à roleta russa, evito grandes contactos com este Tribunal, na medida em que o sistema de custas é, quanto a mim, opaco e indecifrável. Na verdade, qualquer cidadão que se atreva a ousar incomodar os Senhores Conselheiros, levantando questões de constitucionalidade, sujeita-se a não ver a questão apreciada por razões meramente formais e a ser condenado em custas que variam em função do momento da aquisição da respectiva frota automóvel.
Ora, é este Tribunal que deixou prescrever as coimas aplicadas aos partidos, justamente numa altura em que se fala das formas de financiamento deles. Curiosa inércia esta se comparada com o que acontece aos cidadãos normais que ousem não pagar ao Estado, seja sob a forma de custas, seja por impostos. Estaline terá dito um dia que “um morto é uma tragédia, um milhão uma estatística”. Entre nós, à laia de adaptação, é fácil concluir que quem deve um euro tem um problema mas se dever uns milhões o problema é do credor. Seja ele quem for, Estado incluído, mais ainda quando este não o faz sequer por cobrar.
E o que fazemos nós? Transformamos tudo numa gigante piada porque, mais do que a revolta das lágrimas, gostamos é de nos rir inconsequentemente. Parece, pois, ser este o destino dos comuns dos portugueses: de olhos fitos no mar, proclamamos as imortais palavras da Sugar, magnificamente interpretada pela Marilyn Monroe no filme dá o título a estas linhas: “Story of my life. I always get the fuzzy end of the lollipop”.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.