Morreu Mário Soares. Já muito foi escrito e dito nestes dias e é bom que se continue a escrever e a falar sobre Soares durante muito tempo. Mais do que qualquer outro político do período democrático, cada um de nós tem um Soares a que se afeiçoou, outro com quem não concordou, um Soares que defendeu, outro que criticou. Quer isto dizer que a sua dimensão ultrapassa largamente o homem e o político. Soares representa a luta contra o fascismo, a instauração da democracia e da liberdade, a construção do Estado social, da modernidade, da União Europeia… Soares é muito daquilo que somos e que vivemos em diferentes momentos da nossa história contemporânea.

Obviamente que nenhuma destas conquistas se concretizaram pela mão de um só homem. Longe disso. Felizmente, durante os anos pós-revolucionários e de consolidação da democracia o país conheceu e teve vários excelentes protagonistas de diferentes partidos, que dedicaram a sua vida à construção de uma sociedade livre e democrática. Contudo, Soares, independentemente das suas contradições, teve o mérito, mas também a sorte, de ter marcado e feito a história em cada uma dessas e outras causas. O legado de Soares está aí para ser debatido, refletido, estudado. Jamais será um legado consensual eternizado numa única versão e ainda bem que assim é.

Por isso, tomo a liberdade de escrever sobre um lado de Soares que me marcou e inspirou, e que foi uma constante da sua carreira política até aos seus últimos dias: o facto de ter sempre acreditado na força e na capacidade das pessoas para a construção do futuro do país. Para além das táticas e das conspirações, dos programas e das propostas, das campanhas e dos debates, no final do dia foram quase sempre as pessoas e uma esperança inabalável no país que moveram a luta e a tenacidade do político. Na verdade, o slogan “Soares é Fixe!”, que ficou célebre nas eleições presidenciais de 1986, e que depois foi reconfigurado na sua magistratura para o lema de “o presidente de todos os portugueses”, significa essa habilidade de projetar o político nas pessoas e de salientar o que elas têm de melhor. Em certo sentido, “Soares é fixe!” é um pouco precursor do “Yes, we can!” de Obama, mas mais sublime porque devolve o político ao povo: o presidente de todos é fixe, logo nós somos fixes.

É essa difícil arte de devolução, sem excessivas encenações, que tanta falta faz à política dos dias de hoje. Uma política de devolução, que transcende a mera correria dos afetos e dos beijinhos, capaz de partir de cada pessoa, das suas aspirações e expetativas, para a perspetiva de construção coletiva de um caminho. Em certas alturas da vida nacional Soares conseguiu essa comunhão. E foi também em alguns desses momentos que o país se superou. Precisamos de uma política que devolva a capacidade de termos o futuro nas mãos e que não se fique pela simpática e equilibrada gestão da espuma dos dias. Soares é fixe, nós somos fixes. Viva Soares!