Um dia, a Autoridade de Investimento do Qatar (QIA) teve aquilo a que William Shakespeare chamaria um sonho de uma noite de verão: transformar o Paris Saint-Germain no maior clube de futebol do mundo. Nasser Al-Khelaïfi tornou-se, em 2011, presidente de um clube sem grande historial, que tinha como principal atributo o facto de pertencer à Cidade Luz, a mesma que, séculos antes, atraíra as mentes mais iluminadas do planeta, fazendo com que pintores, escultores, arquitetos, músicos, bailarinos e artistas de todo o mundo transformassem Paris no maior centro de artes do mundo.
Em pleno século XXI, mudaram os atores: agora, são os futebolistas que se deixam atrair pelos muitos milhões da QIA e que demandam Paris, na tentativa de concretizar o sonho de um emirado que transformou um clube modesto numa constelação de estrelas na esperança, até hoje infrutífera, de o guindar à liderança do futebol internacional.
Desde 2011, foram gastos centenas de milhões em jogadores de primeira linha, de que são exemplo os argentinos Javier Pastore, Ezequiel Lavezzi e Angel Di María, os brasileiros Thiago Motta, Thiago Silva, Marquinhos, David Luiz e Lucas Moura, o inglês David Beckham, o sueco Zlatan Ibrahimović, o uruguaio Edinson Cavani, o italiano Marco Verratti ou o português Gonçalo Guedes, para além dos maiores talentos franceses.
Não obstante, apesar de ter tornado o PSG um crónico campeão francês, algo só interrompido na época passada às mãos do brilhante Mónaco, orientado pelo nosso Leonardo Jardim, a QIA não conseguiu, mesmo com os muitos milhões investidos, fazer com que o clube da capital francesa pudesse ombrear com Real Madrid, Barcelona, Juventus ou Bayern de Munique, ficando sempre por cumprir o sonho de atingir uma final da Liga dos Campeões.
Firmemente, decidido em levar avante o seu projeto, o PSG concretizou, este verão, o seu maior sonho: a contratação do mais jovem dos três grandes astros do futebol internacional: o brasileiro Neymar Júnior. Com Cristiano Ronaldo e Lionel Messi já na casa dos trinta, a caminharem, ambos, a passos largos, para o ocaso das suas brilhantes carreiras, apesar do muito que ainda parece poderem vir a dar aos seus clubes e seleções, o PSG virou-se para Neymar, que, aos 25 anos, aposta em sair da sombra da “Pulga”, com quem partilhou o balneário no Barcelona durante quatro temporadas.
Para cumprir este sonho, o PSG desembolsou 222 milhões de euros, mais do dobro do que havia custado no último ano Paul Pogba ao Manchester United, ou do que custaram, em conjunto, Cristiano Ronaldo e Gareth Bale, ao Real Madrid. Loucura, dizem alguns. Merecido, dizem outros. O futebol transformou-se, nos últimos tempos, numa indústria multimilionária, capaz de arrastar multidões, de fazer contratos publicitários inimagináveis, de pagar verdadeiras fortunas a uns quantos predestinados. Mas, como diz Mourinho, o mais grave é que, atualmente, não são só estes que merecem que se paguem camiões de dinheiro pelos seus passes, sendo possível ver futebolistas medianos a serem adquiridos por verbas anteriormente só ao alcance de uma meia dúzia de iluminados.
Se o sonho de uma noite de verão se irá concretizar, fazendo do PSG um futuro campeão europeu, temos as maiores dúvidas. Normalmente, não têm resultado projetos que consistem, apenas, em juntar um bando de astros, com egos difíceis de domar, que tentam, a todo o transe, num curto espaço de tempo, alcançar uma meta predefinida. Em regra, forjar campeões é uma tarefa que não se compagina com o imediatismo, sendo necessário lançar alicerces fortes que permitam, no médio/longo prazo, concretizar sustentadamente um objetivo. É assim no mundo empresarial, na vida profissional, na área académica e também na esfera desportiva. Parece-nos, pois, que o endeusamento do craque Neymar pode transformar um sonho num verdadeiro pesadelo.