Como qualquer cidadão tenho estado atento às muitas discussões que têm surgido no espaço público e leio o que se tem publicado relativamente ao racismo em Portugal. Como qualquer pessoa que se preocupa, educo a minha filha para as questões da cor, ou melhor, não há cor. Apenas pessoas com características diferentes umas das outras.
Sei também que, por vezes, há exageros de ambos os lados: dos que dizem que não há racismo e os que garantem que somos racistas. Respeito todos os que defendem o tratamento igual e de respeito para com qualquer cidadão, sem preconceitos ou rótulos.
Há muito que adoro filmes de animação, mas desde o nascimento da minha filha que, por razões óbvias, tenho sido, sempre que consigo, um espetador atento deste tipo de filmes. E é sobre filmes de animação e as mensagens que nos deixam que escrevo esta semana.
No dia de Natal, a Disney e a Pixar lançaram, em parceria, a longa-metragem “Soul”, que tem como protagonista, pela primeira vez, um negro: Joe Gardner, professor de música numa escola preparatória em Nova Iorque, que sonha ser pianista profissional de jazz.
Não vale pena centrar-me no argumento do filme, mas antes no facto do personagem ser negro. Uns dirão que “vem tarde demais”, outros que “mais vale tarde que nunca”. Certo é que a equipa responsável pela animação quis passar uma mensagem muito objetiva e importante. E isso não passa despercebido a ninguém. Ainda bem!
O que choca é, infelizmente, a adaptação/dobragem para português. Se na versão original todos os atores que dão voz aos personagens são, naturalmente, negros, em Portugal dobrou-se com a voz de atores brancos. Não pretendo criticar os atores que exerceram o seu papel com profissionalismo. Mas há, antes, uma questão de fundo, um erro de casting que é grosseiro e que não deve – e não pode – passar despercebido publicamente.
São racistas as pessoas responsáveis por esta escolha? Não as conheço e, sinceramente, espero que não. Mas deveriam ter percebido – se calhar perceberam mas não quiseram ver – que também em Portugal as vozes atribuídas a estes personagens deveriam ser de pessoas negras. Por tudo: por uma maior adequação à realidade; pela extensão da mensagem que a versão original quis e quer passar para a sociedade; pelo papel que também as empresas de dobragens, como quaisquer outras, têm na sociedade e no exemplo a dar.
Diversidade, inclusão e respeito pela heterogeneidade e riqueza do mundo já deviam ser questões banais agora que entrámos em 2021. Infelizmente, continuamos a discuti-las e a trazê-las para cima da mesa nas nossas empresas. Isto mostra-nos que há ainda muito trabalho a fazer. E esse trabalho passa por evitarmos situações como esta, em que uma história divertida e de coragem se torna perversa devido à falta de atenção/cuidado de alguns.
O slogan de “Soul” é que «todos temos uma alma». E o Joe Gardner (o protagonista) está prestes a encontrar a sua”. Gosto de acreditar que todos temos alma e que o importante é fazermos o que a deixa feliz. O resto são erros de casting.