Trata-se de um daqueles filmes que não nos deixa esmagado pelo enredo, de que conhecemos o fim, mas pela fabulosa narrativa e pela interpretação de todos os atores. O filme do realizador Tom McCarthy baseia-se em factos que tiveram lugar em Boston nos EUA. Em 2001, o editor do jornal The Boston Globe, Marty Baron (Liev Schreiber), atualmente editor de The Washington Post, entrega a uma equipa de jornalistas, conhecida por Spotlight e da qual faz parte o luso-americano Michael Rezendes interpretado por Mark Ruffalo, a investigação de alegações contra um padre acusado de ter molestado mais de 80 rapazes. Descobrem uma metódica operação de encobrimento com dezenas de anos a centenas de crimes de abuso sexual por parte de elementos do clero católico.

Identifiquei dez características de “Spotlight” que ajudam a exemplificar o método Hollywood e várias grandes tendências que estão a mudar Hollywood.

Local, mas global. Trata-se de uma história local com poder para atrair audiências globais, uma especialidade de Hollywood. As idiossincrasias do local – Boston, a cidade muito católica – são bem reveladas, mas a história é facilmente compreendida por audiências em qualquer parte do mundo, católico e não católico.

“High concept” universal. O termo “high concept” foi desenvolvido pela Pixar, o estúdio de animação fundado por George Lucas, comprado por Steve Jobs e que se fundiu com a Disney. O termo serve para designar “a ideia” que unifica e permeia todo o filme. Por exemplo, o “high concept” do filme “Up” da Pixar é “fly away”, voar para longe. O enredo (ou “plot”) de “Spotlight” é baseado num “high concept” universal que poderia ser definido como “o direito à dignidade”.

“Plot” universal. É simples: o velho “who done it”, quem praticou o crime? “Spotlight” é basicamente um filme de investigação, e embora conheçamos o desfecho, as audiências são seduzidas pelo processo da investigação.

Qualidade a baixo preço. “Spotlight” insere-se numa tendência crescente para pequenas produções mas de grande qualidade a todos os níveis, que contrastam com os blockbusters de 250 milhões de dólares. É um difícil exercício tornado mais premente no mundo da distribuição digital (YouTube, Amazon, Netflix, etc) em que mesmos os melhores produtos se perdem num mundo de abundância e irrelevância audiovisual. Exige-se mestria do marketing digital, ou seja, de publicidade e promoção nas redes sociais, por ser mais barato e porque é o meio certo para atingir públicos selecionados.

Independentes ativos. “Spotlight” revela a emergência e o crescente ativismo de investidores e produtores independentes dos seis grandes estúdios. O filme foi financiado por Open Road Films, uma pequena empresa de Hollywood para investimento em cinema formada há apenas cinco anos por duas cadeias de salas de cinema, AMC Entertainment (AMC) e Regal Entertainment Group (Regal). A empresa obteve recentemente uma linha de crédito de USD 100 milhões até 2018. Não é muito mas dá para vários “Spotlights”.

Pequeno orçamento. O filme foi produzido com um orçamento de apenas 20 milhões de dólares por Participant Media, uma empresa fundada por Jeff Skoll, antigo presidente de eBay. Outro exemplo é o filme “Babel” de Alejandro Iñarritu que custou 25 milhões de dólares.

Mudança social. A abordagem de temas sociais é outra forte tendência. O objetivo de criação de Participant Media foi a produção de conteúdos que promovam mudança social.

A verdade. Há muitos filmes recentes baseados na “verdade”, histórias que partem de factos verídicos. Já aí vem outro filme de investigação jornalística. “Truth” com Cate Blanchett é baseado em factos relativos ao tratamento jornalístico do serviço militar do presidente George W. Bush e que levaram à demissão de Dan Rather da CBS (Robert Redford). Outros exemplos são “Trumbo”, “The Bridge of Spies” ou “In the Heart of the Sea”.

Investimento com menor risco. O cinema e a televisão são uma indústria de incerteza e risco totais. Nunca se sabe se um filme vai ou não ter sucesso. Os filmes de qualidade com pequenos orçamentos, até USD 25 milhões, são os que têm maiores possibilidades de recuperarem rapidamente o investimento e que apresentam menor risco para os investidores visto que a eventual perda é reduzida. “Spotlight” já tinha vendido mais de USD 68 milhões em todo o mundo antes dos Oscars.

Hollywood é um ecossistema global. Mais do que um “cluster”, que significa concentração geográfica de empresas, Hollywood é um ecossistema global. Dos seis grandes estúdios, apenas  Disney tem a sede em Hollywood. Os outros estão em Nova Iorque, Filadélfia ou Tóquio. AMC, um dos financiadores de “Spotlight”, é atualmente detido em parte pelo conglomerado chinês Dalian Wanda Group refletindo o crescente investimento chinês em Hollywood. O grupo chinês Fosun e a Sony Pictures Entertainment do Japão fizeram recentemente a parceria Studio 8 com o produtor americano Jeff Robinov, em Culver City, California, com o objetivo de investir um milhar de milhões de dólares num “slate” (portfolio) de 25 filmes nos próximos cinco anos.

Hollywood enfrenta concorrência global. Em 2014, o grupo Dalian investiu muitos milhares de milhões de dólares na construção de um complexo para produção de filmes em Qingdao, na província de Shandong, parte de um plano para recrear Hollywood na China.

Por Nuno Cintra Torres
Investigador e professor universitário