Ficaram na nossa memória coletiva as palavras de Fernando Ulrich que, em 2012, falando numa conferência perguntou retoricamente se o país aguentava mais austeridade, tendo respondido prontamente que “ai aguenta, aguenta”.

Uma década depois, num contexto diverso e com a devida adaptação, lembrei-me da pergunta retórica do antigo presidente executivo do Banco BPI e interrogo-me se os portugueses aguentam a subida continuada das taxas Euribor.

Como destacou Luís Marques Mendes, na passada semana, no seu espaço de comentário na SIC, nos últimos 18 meses as prestações de crédito à habitação quase que duplicaram. Sim, caro leitor, leu bem. A par dos custos com a alimentação, a prestação da casa será a despesa fixa mensal com maiores repercussões junto dos orçamentos familiares dos portugueses.

Ora, as recentes declarações da presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, que sinalizou que a subida dos juros é para continuar, apontam para a manutenção da tendência de subida nas taxas Euribor. As declarações do governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, foram igualmente no mesmo sentido, pelo menos ao longo de uma parte deste ano, sendo que a descida, quando ocorrer, será comparativamente mais lenta.

Perante esta realidade, não vejo como o Estado e o Governo em particular possam permanecer impávidos e serenos. Tal como não vislumbro como possa a Banca ignorar tais impactos junto dos seus trabalhadores. Verdade seja dita que o Estado e a Banca têm sido sensíveis socialmente à subida das taxas Euribor. Será necessário fazer mais, no entanto. A Banca, já agora, poderia e deveria fazer um esforço no sentido de se alcançar rapidamente um compromisso negocial sobre a tabela salarial, pensões de reforma e cláusulas de expressão pecuniária. Tema para um outro artigo.

Regressando à pergunta retórica que serve de mote a este artigo, numa nota mensal de junho do BPI Research, é referido que no final deste ano, 18,6% do stock total de crédito à habitação enfrentará taxas de esforço acima de 40%, sendo que um terço destes (6,2%) serão empréstimos de mutuários com mais baixos rendimentos. E, conclui-se, nesse mesmo artigo, ser “inegável que o aumento das taxas de juro tem vindo a reduzir de forma não despicienda o rendimento disponível das famílias após liquidação da prestação de crédito à habitação”. Este impacto, refere-se ainda, “é mais substancial nos mutuários de menores rendimentos, traduzindo-se no contexto atual em taxas de esforço preocupantes”.

Em suma, a maioria dos portugueses aguentará a subida das Euribor, com maior ou menor esforço, mas sem o apoio do Estado, e da Banca no caso dos seus trabalhadores, nem todos terão, porventura, essa sorte.