É um facto que o nível atual de taxas de juro começa a criar problemas a muitas pessoas que recorreram ao crédito à habitação a taxa variável, colocando em causa o pagamento da prestação mensal. Mas também é verdade que, desde a entrada do Euro, as taxas de juro já estiveram ao nível atual mais do que uma vez, e nessa altura foi possível suportar as prestações mensais.

Por outro lado, o endividamento dos particulares em percentagem da riqueza criada anualmente (PIB), reduziu-se de mais de 90% do PIB há dez anos para menos de 65% do PIB este ano. Na realidade, o saldo médio dos créditos à habitação ronda os 50 milhões de euros por operação, estando ao nível de há dez anos, quando o salário mínimo era de 485 euros.

O número de novos créditos à habitação contratados na última década é muito inferior ao registado nos dez anos anteriores. Se em 2019 foram contratados 67.791, em 2007 já se contavam 301.564. Assim, o crédito à habitação existente é maioritariamente anterior a 2013, o que significa que já tem uma parte do seu valor amortizado.

O problema surge há um ano, com o início da subida de taxas de juro, fruto do descontrolo da inflação por parte dos bancos centrais e da necessidade de tentar corrigir um erro de análise em relação ao caráter temporário do surto inflacionista de 2021 e 2022.

Os créditos com maior aumento da prestação são os de valor mais elevado, conforme seria de esperar. Acima dos 200.000 euros de crédito existente, o aumento da prestação mensal varia entre 300 e 500 euros, dependendo do prazo de vida remanescente dos créditos.

No entanto, em 2022, apenas 14% dos novos créditos foram de valor superior a 200.000 euros, sendo metade de valor inferior a 112.514 euros. Do total de pessoas que contrataram crédito no ano passado, 53% tinham ensino superior e a grande maioria comprou imóveis em Lisboa e Porto. O que mostra que os bancos estão a ser cuidadosos, financiando sobretudo o segmento mais afluente da população.

Assumindo que a Euribor ainda subirá mais 0,5 pontos percentuais até ao final do ano, o valor da prestação poderá afetar a capacidade de pagamento de muitas pessoas, nomeadamente as que contraíram crédito nos últimos cinco anos, quando a Euribor era negativa. Assumindo que apenas metade dessas famílias terão dificuldades, então do total de dois milhões de famílias com crédito à habitação, menos de 10% precisarão de ajuda para resolver o problema do aumento da prestação.

Note-se que já existe um apoio para os créditos à habitação em que a taxa de juro tenha subido mais do que três pontos percentuais. Por outro lado, os bancos irão aceitar alterações de prazo ou períodos de carência de capital para evitar incumprimentos.

Eu sei que quem me está a ler poderá estar entre o grupo afetado, e perguntará em que medida é que esta relativização do problema o ajuda. O que eu quero transmitir é que não sendo algo que vá afetar todas as pessoas, o que seria catastrófico, não é grave, pois é possível resolver o problema sem com isso colocar em risco a própria solvabilidade dos bancos ou mesmo do país.

O mercado prevê que, dentro de dois anos, a Euribor regresse a valores inferiores aos atuais, após a inflação estar de volta aos 2%, pelo que os próximos dois anos serão os mais difíceis para as famílias com encargos elevados em prestações de crédito à habitação.

Não se espera que as taxas voltem a zero, mas que se mantenham entre os 2% e 3%, o que significará uma prestação mensal inferior à atual, e consequente regresso a uma situação de normalidade. Nesse sentido, atualmente a melhor solução seria contratar uma taxa mista, com uma taxa fixa de durante os próximos dois ou três anos, alterando-se automaticamente para variável findo esse período.