Portugal tem vindo a transpor diversa legislação em matéria fiscal que reflete os trabalhos do BEPS e da Comissão Europeia em matéria de disposições anti-abuso. É o caso da Lei n.º 32/2019, de 3 de maio, que veio transpor as Diretivas ATAD (“Anti Tax Avoidance Directives”) – promovendo alterações na cláusula geral anti-abuso e nas denominadas regras CFC – estando, ainda, em processo legislativo de aprovação a nova Convenção Multilateral ou a transposição da Diretiva DAC 6 que imporá mecanismos de reporte de esquemas de planeamento fiscais.

Um traço comum na referida legislação é o recurso a conceitos indeterminados, cláusulas abertas, presunções mais ou menos inilidíveis e, indiscutivelmente, menos garantias para os contribuintes. Os conceitos indeterminados são o campo fértil da denominada discricionariedade técnica e litigiosidade acrescida. Aliás, se olharmos para a nova cláusula geral anti-abuso, verificamos que a mesma está construída em torno do conceito “de construções ou séries de construções artificiais”, seja por serem realizadas com abuso de forma jurídica ou não serem realizadas por razões economicamente válidas.

A falta de preenchimento normativo da norma de incidência implicará, por certo, a sua determinabilidade por via administrativa e judicial, em particular pelo TJUE no que tange a articulação destas disposições com as diversas Diretivas comunitárias. De igual modo, o conceito de “substância económica” carece, igualmente, de maior densificação, ainda que o legislador no n.º 14 do artigo 66º do Código do IRC – em matéria de regras CFC – tenha explicitado o conceito, referindo-se a sociedades que desenvolvam uma atividade económica com recurso a pessoal, equipamento, ativos e instalações.

Este tema não deixará de suscitar amplas discussões doutrinais, nomeadamente, no que diz respeito às holdings cuja atividade principal consista na mera gestão de participações sociais e a emergência da economia digital que ameaça transformar o equilíbrio nos direitos de tributação dos Estados.

Nesta matéria não podemos deixar de atentar na jurisprudência fixada pelo TJUE nos casos C-504/176 e C-613/16 – onde a propósito de diversas disposições antifraude previstas na legislação alemã para efeitos da Diretiva Mães e Filhas – o Tribunal afirma de forma perentória que a aplicação de critérios gerais pré-determinados ou o estabelecimento de presunções gerais de fraude viola os princípios da proporcionalidade e vai mais longe que o necessário para prevenir a fraude.

Aliás, no que tange as sociedades de gestão de participações, o TJUE é claro que a circunstância de os rendimentos da sociedade provirem apenas da gestão de ativos não implica de per si a existência de expediente artificial, cabendo às autoridades fiscais proceder a um exame global da causa e avaliar as estruturas e estratégias do respetivo grupo económico.

Esta jurisprudência tem aliás implicações mais vastas, porquanto obriga que a interpretação das disposições da lei nacional e das normas convencionais seja efetuada em conformidade com o Direito Comunitário primário e secundário sempre que estejam em causa situações abrangidas pela lei comunitária. A articulação deste tipo de disposições com as liberdades fundamentais previstas no Tratado não deixarão de marcar a fiscalidade internacional nos próximos anos.