Sudiksha Thirumalesh, uma jovem britânica residente em Birmingham, morreu no passado mês de Setembro aos 19 anos, vítima de uma doença degenerativa rara. Na sua luta pela vida teve de travar duas batalhas: contra a doença e contra o hospital e os tribunais britânicos.

Face à gravidade do seu estado e à inexistência de resposta terapêutica para o caso, decidiu o hospital onde estava internada dar início a um plano de cuidados paliativos que lhe encurtaria a vida, plano a que se opôs. Levado o caso à barra dos tribunais, o juiz deliberou que Sudiksha não estaria na posse das suas faculdades para em consciência obstar à administração dos cuidados paliativos, apesar de dois psiquiatras do dito hospital terem avaliado a paciente, afirmando que estaria na posse plena das suas faculdades intelectuais.

Simultaneamente, o caso assume características kafkianas. Encontrando-se sob segredo de justiça – impedindo a divulgação pública da identidade das partes em contenda –, os seus familiares foram impedidos de organizar uma angariação de fundos que permitisse a sua deslocação para os Estados Unidos ou o Canadá, onde a jovem tinha a expectativa de se submeter a uma terapia experimental, indisponível no Reino Unido, a qual, podendo não lhe salvar a vida, podia prolongá-la por mais algum tempo.

Este caso é sintomático da crescente relativização do valor da vida, sobretudo da vida dos mais frágeis, aqueles que determina a matriz humanista que nos enforma – ou enformava – mais protegidos deviam ser.

A adopção de práticas que resultam na antecipação da morte é consequência desta relativização. Embora na sua base estejam argumentos aos quais ninguém é insensível – poupar o paciente da dor e do sofrimento da doença –, tais práticas abrem inevitavelmente uma brecha na absoluta inviolabilidade da vida humana e no indeclinável dever de todos de a garantir e proteger, nas melhores condições possíveis, até ao seu termo natural.

O caso de Sudiksha é exemplo disso mesmo: com base num conceito, por definição relativo, de qualidade de vida – conceito que, neste caso, foi, para mais, definido pelos médicos e não pela paciente –, a morte antes de tempo de um ser humano pôde ser administrativamente decretada pelos tribunais, os mesmos que, no caso do Reino Unido, estão impedidos de decretar a pena de morte desde a sua ilegalização em 1998, por ter sido entendido que o Estado não tem o direito de decidir sobre o termo da vida.

As civilizações, tal como os indivíduos, também adoecem e morrem. Quando uma civilização abandona as suas bases morais, está a condenar-se ao próprio fim. A banalização da morte por países que integram uma civilização duplamente herdeira do humanismo cristão e iluminista, valorizadora do Homem e da Vida, é um sintoma que, a não ser contrariado, poderá conduzir ao seu decesso.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.