Portugal é um país de esquerda. Fruto de uma mal explicada e pior compreendida afeição pela esquerda. Esta sensação perdura desde o 25 de Abril de 1974, em que romanticamente, o país se afeiçoou pela esquerda em contraposição por uma direita desconhecida que governou em regime quase ditatorial, durante quase meio século.

Na revolução transportámos cravos, fruto do acesso à liberdade e à democracia. Das armas saíram aromas de flores e não pólvora ou munições. E subsistiu essa ideia de que o regime se mudava para sempre, com uma infinita gratidão à esquerda.

Tal foi evidente nos primeiros meses em que a esquerda abusou da democracia e da retribuição. Presente na aprovação da Constituição em que todos os partidos eram socialistas ou quase. E persistiu nos sucessivos atos eleitorais em que os partidos que não são de esquerda se tiveram de se esforçar o dobro ou mais para conquistar o eleitorado.

As marcas do apelo à esquerda ainda perduram. Assim que nasceu a “geringonça”, inovação política assente em parlamentares e não em votos. E vai ser assim que se vão justificar as opções nos próximos atos eleitorais. Novas experiências podem ditar soluções, vistas com curiosidade por cientistas políticos e intelectuais de vanguarda e pelas academias mundo fora.

Só que o mundo mudou. E mudou muito. Particularmente na Europa. Habituámo-nos nos últimos 20 anos a uma alternância de poder num centro alargado. Mas a espiral do poder já não alinha com esse vento. Esse agora espirra para os extremos e mais para a direita, face às sucessivas crises que os partidos do mainstream não souberam diagnosticar e superar em tempo.

Consequência, em reação aos migrantes, as promessas incumpridas por políticos imprudentes, ao impacto do “euro” imperfeito, começaram a surgir as críticas, primeiro veladas, depois violentas, assumidas por demagogos e populistas, políticos profissionais que sabem o que fazem, porque o fazem e com o único objetivo de chegar ao poder.

Em cada ato eleitoral que se realiza, qualquer que seja a dimensão, cresce o apelo fácil e básico com novas promessas primárias. A disputa já não é entre esquerda e direita, mas de quanto a esquerda perde apoio, o centro se desvirtua e a extrema-direita cresce.

Entre nós, este fenómeno não se materializou ainda. Mas começa a haver desilusão em excesso face a promessas invalidadas, de esperanças desconstruídas, desilusão que pode crescer. Basta que os fumos de corrupção se evidenciem e comecem a falhar os resultados que a maioria das pessoas ainda busca, mesmo que não acreditem com convicção.

O Governo socialista, gozando do retempero da crise e da estabilidade que partidos e sindicatos lhe conferiram nos últimos anos, pode vir a ser responsável pela renascimento da descrença. A instabilidade crescente em setores específicos – professores, estivadores, médicos e enfermeiros, agentes de autoridade, bombeiros –  decorre de expetativas mal construídas e onde se esfuma o resultado.

E assim, aqui, como agora em Espanha, podemos perder o norte, deixando crescer a extrema-direita. Ela existe. Com as consequências que outros países que conhecem o extremismo estão a começar a sentir. E não esquecer que a extrema-esquerda também anda por aqui…