Promovida pela Tabaqueira, em parceria com a Fundação de Serralves e a Único, realizou-se na própria fundação uma conferência que “surge no contexto de um crescente apelo à transformação dos comportamentos individuais e coletivos no espaço urbano”, com impacto direto na limpeza, sustentabilidade e qualidade de vida nas cidades. Trata-se de um problema antigo, identificado mas não resolvido, que a empresa tabaqueira – subsidiária da norte-americana Philip Morris – entende merecer a sua atenção, uma vez que de algum modo é a ‘autora’ de um dos ‘flagelos’ urbanos: as beatas, ou piriscas.
“A conferência insere-se no compromisso das entidades organizadoras com a sustentabilidade ambiental e a cidadania ativa, com o objetivo de fomentar o diálogo entre o poder político, autarquias, setor empresarial, academia e sociedade civil, identificando desafios, soluções e boas práticas para a construção de espaços públicos mais limpos, seguros e resilientes”, refere a organização.
Vários dos participantes nos dois painéis da conferência convergiram no facto de ser claro que o comportamento dos consumidores surge como uma reação ao ambiente. Dito de outro modo: “as infraestruturas são o que altera os hábitos e transforma a norma”, disse Graça Fonseca, fundadora e responsável da Because Impacts e ex-ministra da Cultura.
Isabel Pires de Lima, presidente do Conselho de Administração da Fundação Serralves, explicou que, sendo um tema de cidadania, “Serralves tem inscrita na sua missão a responsabilidade ambiental. Faz, aliás, parte do Sistema Comunitário de Eco-gestão – a primeira instituição portuguesa a inscrever-se na organização”.
Leonor Sottomayor, diretora de Assuntos Institucionais da Tabaqueira – empresa que exporta 90% daquilo que produz – assume o ‘pecado inicial’ em relação às beatas, sendo exatamente por isso que assume “um compromisso com a sustentabilidade” provavelmente mais denso do que as empresas que não têm este tipo de visualização. A Tabaqueira leva quase duas décadas de campanhas ambientais, recordou Leonor Sottomayor, mas também de projetos piloto com “vários parceiros”, todos eles seguindo numa linha de “mudança de comportamentos”.
Parte da solução, a Agência Portuguesa do Ambiente também participou na conferência. Mafalda Mota, responsável da agência, referiu que “é urgente mudar comportamentos na forma como consumimos” de uma forma geral, mas mais particularmente em relação aos consumos que geram resíduos. “As cidades refletem os nossos hábitos”, recordou, para confirmar que a agência “tem um papel muito importante, nomeadamente na criação de uma consciência coletiva”. Junta, para isso, poderes públicos, privados e a própria academia, no caminho de mudar hábitos.
Mas esta é apenas uma das facetas, sete, que surgem como fundamentais: educar as crianças, informar com clareza, tornar fácil os comportamentos corretos, dar o exemplo, premiar boas práticas, regular e fiscalizar e reforçar o papel da comunidade, é o figurino que importa impor para mudar os (maus) hábitos.
Marina Petrucci, da IPSOS, monitorizou esses (maus) hábitos, tendo revelado que “86% dos fumadores afirmam que quase nunca deitam beatas ao chão e 90% afirmam que evitam.” Dados provenientes do contacto direto, que são infelizmente contrários à realidade: 55% descarta mal as beatas na cidade e 46% fazem-no nas praias. O pior são as paragens de autocarro, estádios desportivos e jardins. Áreas de escritórios são menos problemáticas. Em zonas de densidade populacional alta, há menor descarte errado – num quadro geral em que “o consumo de tabaco é feito 56% dentro de casa e 44% fora”, sendo certo que “o tabaco aquecido é mais bem descartado”.
Para Graça Fonseca, um estudo da Because Impacts revela que há uma alta consciência do impacto ambiental por parte das pessoas. “Há a noção do impacto”. Mas “as condições externas têm de ajudar”, o que para já não acontece sempre – apesar de haver uma área criativa que vale a pena explorar. “As infraestruturas são o que altera os hábitos e transforma a norma”, assegurou, a que deve acrescentar-se “educação e comunicação estratificada”, para além, claro está, do alinhamento das entidades – responsáveis e envolvidas – numa mesma finalidade.
Marina Pacheco, portuguesa que trabalha na suíça Cortex, exemplificou a ‘boa prática’ de pedir auxílio da Inteligência Artificial para “controlar em tempo real e a todo o momento” o estado de limpeza das ruas. Resultado: os recursos são a todo o instante alocáveis ao lugar onde há emergências. A empresa ajuda, assim, as entidades públicas a intervir quando necessário e a impedir situações de pico.
No segundo painel da conferência, dedicado ao tema ‘Boas práticas e caminhos a seguir’, Fernando Leite, administrador-delegado da Lipor, assegurou que as autarquias sabem pouco sobre os hábitos dos cidadãos. E que essa é uma característica que acrescenta um desafio complexo: agir sobre o cidadão, metodologias de limpeza urbana, mas também penalização dos comportamentos desajustados deve ser o caminho. Isto não sem antes investir na sensibilização: é fundamental, disse, fazer regressar o primado da educação e do civismo, nomeadamente nas escolas – o governo tem verbas para isso, mas é preciso haver prioridades. Além disso, a mensagem tem de ser contínua e não a ritmo das campanhas.
Pedro Nazareth, presidente da Único, disse que tem como missão promover recursos financeiros, cerca de 1,5 milhões de euros, ao longo de dez anos, vindos dos produtores de tabaco para criar uma intervenção que permita induzir comportamentos, reduzir riscos e fomentar alterações de comportamento. É que, recordou, “recolher e reciclar custa dinheiro”.
Luís André Assunção, vice-presidente da Empresa Municipal Porto Ambiente, revelou que o município gasta anualmente 10 milhões de euros na limpeza urbana – e que tem investido na mudança de hábitos: nesse contexto, as campanhas são muito importantes, mas as autarquias têm pouca oportunidade para isso. Um pormenor interessante: a autarquia decidiu começar a limpar a cidade durante o dia e não à noite: “limpar de dia faz com que as pessoas vejam” – e isso cria lastro.
Luís Capão, presidente da ALU (Associação Limpeza Urbana), considera que não há ainda uma opção clara no combate aos resíduos. Um projeto que está a ser monitorizado é a colocação de câmaras com IA, em Cascais, para detectar “comportamentos tóxicos”. A recolha de dados daí decorrentes vai ser importante para uma avaliação e posterior abertura de caminhos para o combate a algo que, no caso das beatas, assume um caráter de flagelo.
Finalmente, Rui Costa, diretor de Recursos e Projetos Especiais da Fundação Serralves, também considerou que “o contributo da tecnologia para recolher informação” é essencial, desde logo para que os ‘stakeholders’ percebam como agir. De qualquer modo, e a montante de tudo isso, “consciencialização e cidadania” são uma espécie de resposta primária que permitirá, com certeza, um futuro mais limpo. Até porque, recordou, “a regulamentação está feita – mas as pessoas nem sabem disso” porque não há fiscalização.
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