Que não restem dúvidas. Adoro Lisboa. Fui feliz durante os mais de sete anos vida que ali passei. Mais de 80% da minha família, entre avancanenses e beirões, assentou há muitos anos arraiais entre Benfica e Cascais, onde nos reencontramos com a emoção de sempre. Nas eleições em que Costa se tornou o primeiro primeiro-ministro derrotado da nossa história, eu fui candidato em Lisboa, tendo feito das melhores campanhas de que tenho memória, entre sãos amigos lisboetas. Se isto não bastasse, sinto, enquanto português, um enorme orgulho na história, simbologia, cosmopolitismo e beleza da nossa capital.

Esta ligação, este afecto, este orgulho, fazem-me querer mais para Lisboa. Gostava que Lisboa fosse a capital de um país mais equilibrado, mais desenvolvido, em que a coesão territorial e a partilha de oportunidades fossem o reflexo da capital que Lisboa merecia ser. Ser grande é, acima de tudo, ver mais longe. Ser forte é, antes de tudo, confiar na partilha e na virtude da equidade. Ser capital é, fundamentalmente, representar, só se representando bem, se bem houver para representar.

Terá Lisboa hoje, à mercê dos que a comandam, esta grande capitalidade? Será símbolo de um grande Portugal, desenvolvido, harmonioso e justo?

Todos sabemos a triste resposta. Capturada por diferentes poderes, interesses e os seus agentes, Lisboa tornou-se um sorvedouro, abrigo de oportunistas de visão curta e de um enorme rebanho que se apascenta preguiçoso e cioso do mais verde prado do Estado. Nada medra, a não ser com pontualidade heroica e privada, a mais de 40 quilometros do Terreiro do Paço. O centro da administração, o monstro da burocracia, criou uma teia de satélites, da banca às sociedades de advogados, dos sindicatos aos partidos, dos jornais às televisões, das sedes das grandes empresas aos lobbies encapotados. Quem quer, ou precisa de existir, tem de estar em Lisboa; junto dos donos disto tudo.

As univeridades de Aveiro, do Porto, de Braga, da Covilhã, de Évora, de Coimbra, provam que há massa crítica fora de Lisboa, honram Portugal nos rankings internacionais, apesar da fúria centralista que as oprime. O contributo das exportações da Região Norte para o PIB e para o equilíbrio da balança de transações, exigiria outra atenção e respeito. O potencial do Alentejo, a nível agrícola, turístico e energético não é mais negligenciável.

A correcção de assimetrias e promoção de políticas que assegurem a repovoação e redignificação do interior, não podem esperar mais. Lisboa tornou-se, às mãos dos que a pervertem, a madrasta de um país dividido, maltratado, enganado e permanentemente adiado.

Neste sentido, foi bom o Infarmed não ter vindo para o Porto. Desde o início, se laborou num erro fundamental: criou-se a ideia errada de que seria excelente para o Porto a vinda do Infarmed, ocultando que a verdadeira vantagem seria do Infarmed ao deslocalizar-se para o Porto.

Costa nunca pensou no melhor para nenhuma das partes; no seu malabarismo crónico seguiu Lampedusa, achando que era essencial mudar qualquer coisa para que tudo continuasse na mesma. Imaginou o Infarmed como um presente que calaria o Porto e dividiria as vítimas do centralismo. O falhanço do projecto, o medo maior de incomodar as corporações centrais, teve a virtude de mostrar preto no branco, a quem ainda não tivesse percebido, quanto vale a palavra de Costa: ZERO.

A saída do fogo de diversão do Infarmed da agenda deixou escancaradas as portas do escândalo desumano que constitui a ala pediátrica do S. João ou a falência do Hospital Santos Silva. Santarém, Leiria, Castelo Branco, Guarda, Viseu, Évora, Beja, Aveiro, Braga, Vila Real, Bragança, terão outro tanto e tão grave para contar.

O país vive refém deste centralismo esfomeado, passa-se cada vez pior para que as corporações centrais se alimentem, fortaleçam e perpetuem. De quando em vez, distribuem-se umas migalhas para calar uma ou outra voz mais incómoda, para que tudo continue na mesma.

É um facto que quem quiser ascender ao topo de uma carreira pública terá irremediavelmente de ir para Lisboa; na banca, seguros e advocacia é exactamente a mesma sina. Quem quiser ter intervenção nas televisões e rádios nacionais nacionais, ou vive em Lisboa, ou terá de ir a Lisboa, criando-se a aparência de que não há gente a pensar e interessante no resto do país.

O país é pequeno na hora de decidir que todos se devem deslocar a Lisboa, e enorme no momento de alguém ter de se deslocar do centro da comodidade da capital. Os quadros do Finibanco tiveram a sorte de ser deslocalizados sem apelo, nem agravo, para o Montepio em Lisboa; os do Infarmed não poderiam suportar o degredo no Porto!

A solução só pode ser política, e muito forte. Rui Moreira disse a frase de maior significado de todos estes anos de iniquidade: “O Porto não quer ser capital de coisa nenhuma!”. Esta renúncia do bairrismo parolo que vinha prejudicando o Porto e o Norte, a implícita exigência de uma justiça que trate o todo nacional com critérios de equidade distributiva, a nível económico, mas essencialmente de partilha de poderes efectivos, a multipolaridade política absolutamente essencial, marcará o debate político nos próximos tempos.

A minha geração conheceu apenas a tentativa descentralizadora do governo Santana Lopes, imediatamente ridicularizado e apressadamente apeado pelos donos disto tudo. Convivemos apaticamente com o culto concentracionista e centralista dos partidos, que sem pudor plantam os comissários de Lisboa pelos lugares elegíveis de todo o país, pervertendo a representatividade que o legislador terá idealizado. Não há inocentes nesta matéria, e houve até quem estupidamente se orgulhasse desta “desterritorialização”.

A bem da verdade, assumo que votei contra no primeiro referendo sobre a regionalização, por credulidade e idealismo. Hoje, por gostar também de Lisboa, por achar que deve ser grandiosa e não monstruosa, por entender que o todo só terá dignidade se organizado em partes fortes, competitivas entre si e cooperantes no essencial, não hesitaria um segundo na opção; regionalização, já!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.