… também eu sou homem! Assim vai o ditado e assim vão as duas emblemáticas privatizações do anterior governo.

Com a garantia de beneficiar da presença do Estado português no seu corpo acionista, a TAP acaba de emitir um empréstimo obrigacionista. Os investidores nem pestanejaram, o que era para ser uma emissão de uns meros 50 milhões de euros disparou para 200 milhões. Pouco tempo antes surgiram notícias – não desmentidas – que David Neeleman comprou a TAP “com pêlo do próprio cão” ao encaixar um prémio de 70 milhões da Airbus pagos pelo Estado para anular a encomenda de 12 novos A-350 e trocá-los por uns tantos A320/A321neo e A330neo, os mesmos que têm os pilotos a aterrar de máscara de oxigénio na cara.

A frota renova-se, os destinos nos EUA multiplicam-se, o número de passageiros aumenta, os atrasos alcançam recordes nunca antes vistos e os prejuízos disparam. A TAP é a linha aérea mais atrasada do mundo segundo a OAG, com cerca de 43% dos voos a aterrar mais de 15 minutos depois da hora, e em 2018 conseguiu apresentar 118 milhões de prejuízos. Da tão louvada qualidade da gestão privada “por quem sabe de aviação” nem sinal, a não ser nos prémios pagos à gestão. Mas nada disto interessa.

A “renacionalização” da TAP foi feita da maneira a que já nos habituaram: nacionalizam-se os prejuízos (o Estado, como acionista a 50% receberá, à luz do acordo económico da empresa, apenas 5% de hipotéticos lucros mas terá que pagar a totalidade da dívida em caso de incumprimento pelos privados dos compromissos assumidos). Tal privatização seguida de tal renacionalização dizem tudo de como acionistas privados e poderes públicos tratam a TAP: vale tudo e o seu contrário, uns e outros equivalem-se na sua incapacidade de gerir uma linha aérea.

Agora a ANA. O Estado vendeu à Vinci a exploração dos nossos aeroportos por um período de 50 anos por 3 mil milhões de euros mais uns 2 mil milhões de participações nos lucros ao longo do período de concessão. À data da privatização, a Vinci geria apenas nove aeroportos, dos quais seis em França, todos secundários e três no sudeste asiático. De uma assentada ficou com dez em Portugal. E hoje a Vinci opera 46 aeroportos no mundo. Com o know-how adquirido na ANA, opera o enorme aeroporto de Gatwick, em Londres, ou o importante aeroporto de Santiago do Chile, um dos mais modernos da América Latina. A sua expansão fez-se exclusivamente graças à ANA.

Ainda assim, nenhum país no mundo cometeu com a Vinci o erro de Portugal, confiando a um único operador a exploração de TODOS os seus aeroportos. O poder da ANA/Vinci é tal no nosso país que o anterior e infeliz ministro Pedro Marques confessou que a ANA/Vinci estava “numa posição fortíssima” por beneficiar de uma situação de “monopólio”. Monopólio que o próprio Estado lhe concedeu. O mesmo monopólio que lhe permitiu aumentar as taxas de tal forma que a IATA lhe moveu um processo em Bruxelas argumentado que a ANA/Vinci cobrava taxas 30% mais caras às necessárias à operação do Aeroporto de Lisboa.

Nestas condições, qualquer um vê que o negócio foi uma pechincha que permitiu à Vinci estabelecer-se como operador credível de aeroportos pelo mundo fora, e obter lucros de tal forma substanciais que o valor das suas ações na Bolsa de Paris subiu de cerca de 55 euros à data da concessão para cerca de 90 euros hoje, uma valorização de mais de 60%.

E é assim que a TAP e a ANA/Vinci querem passar por importantes mas, na realidade, vivem sob o para-águas do Estado aproveitando-se dele, ora beneficiando das suas garantias, ora do monopólio por ele concedido por meia-dúzia de tostões. É pois caso para terminar como comecei: com as calças do meu pai, também eu sou homem.