Não são raros os romancistas históricos que encontram no quimérico Preste João, tão presente na nossa aventura marítima quinhentista, um rei e patriarca copta.

Talvez essa leitura, de um ente nunca existido, possa relacionar-se com a resiliência dos cristãos coptas ao longo dos séculos, o seu permanente sofrimento, envolvidos, que sempre estiveram, pelos movimentos das “placas tectónicas” islamitas. Copta significa egípcio e Preste João nunca o foi nesse imaginário de Marco Polo.

Não houve, portanto, Preste João, como hoje se confirma abundantemente, mas existiram movimentos cristãos na Ásia e em África prévios à mundialização da presença da Igreja de Roma.

E também não nos bastam os relatos de Francisco Álvares para darmos por adquirido que monofisitas ou nestorianos se haviam fixado num reino alhures onde se obtém hoje a Etiópia.

Acontece que há, desde há muito, uma autonomia de pensamento e de rejeição, atitudes que levaram a que as igrejas ortodoxa e católica egípcias, etíopes e da Eritreia tivessem olhado outras perspetivas da liturgia, não se tivessem deixado visar pela dualidade divina e terrena de Jesus enquanto intermédio do Pai e do Espírito Santo.

Os coptas subsistem desde os primeiros tempos do cristianismo, resultado dos ensinamentos de S. Marcos, concebidos existências nos escritos de S. João. São tão antigos e tão donos de si que perduram e se asseveram, se dão em vidas e se negam e abjurações.

Quantos serão por estes tempos não sabemos. Poucos, quando comparamos com outras mais recentes manifestações. Mas muitos pelos vinte séculos de caminho. Vinte milhões, dizem…

Os coptas, ortodoxos porque se negaram na dependência aos gregos de Alexandria, ainda olham, nestes tempos, o calendário juliano. Em boa verdade, celebram o nascimento de Jesus em 7 de janeiro, quando outros se dizem proclamar os Reis Magos. É indiferente esta distância em tempo, porque Cristo une todos.

Mas os coptas fazem uma outra coisa que católicos romanos deixaram para trás no vaticano II: celebram com a sua língua mãe, negando o egípcio corrente.

Alexandria assume uma particularidade que se revela interessante no estudo das religiões do hoje. O sucessor de S. Marcos, profeta relevante do cristianismo um pouco esquecido por estes dias, é Tawadros II, Papa que se reclama desde o século III e Patriarca desde sempre.

Tawadros é, ainda, o pontífice de toda a África, o que concede a primazia sobre territórios vastos, os tais onde Preste João existiria, um simbolismo em ciclo vicioso que quase deixa a lenda para passar à história por ciência.

As relações com católicos e ortodoxos de outras comunhões assumem, nos nossos dias, uma conexão cordial. Tal decorre do entrincheiramento sistemático que os regimes políticos e as linhas maioritárias islamitas foram implicando. Mas, a aceitação da supremacia do Bispo de Roma, Papa Católico e sucessor de Pedro, apesar de relativamente recente, tem vindo a revelar-se autorizadora de um tempo de admiráveis relações.

Os coptas garantiram, nas últimas décadas, uma atenção política especial por parte de muitas instituições internacionais. Tal se revela quando se quer reclamar a tolerância religiosa, quando se quer afirmar a paz na aceitação dos que têm outra fé.

É justa essa especificidade, porque ela se refere a um caminho de dois milénios que muitos crentes do tempo de hoje não param de fazer olvidar.