O plano da Comissão Europeia para o combate às alterações climáticas apresentado no mês passado segue a linha da instituição ao longo dos anos: discurso pomposo e medidas vagas que não travam o caos climático. Neste mar de futilidade existe um compromisso que Ursula von der Leyen assume: expandir as taxas de carbono. Infelizmente, esta representa do pior que há em política pública climática, sendo uma medida ineficaz e de enorme injustiça social.
No papel, a medida é o exemplo da racionalidade, encaixando nos modelos económicos convencionais. Encarando as emissões de gases com efeito de estufa como uma externalidade negativa, a falha de mercado é resolvida através de um imposto, internalizando o custo e assim desincentivando o uso de combustíveis fósseis. Depois, as receitas são teoricamente utilizadas no investimento em energias renováveis. Outro método similar é a atribuição de um número de licenças limitadas para poluir, sendo que aqueles que poluem menos podem vender os excessos de licenças aos que emitem em excesso. O raciocínio é parecido, atribuindo um preço à emissão de gases com efeito de estufa.
Quando se tratar de emitir gases com efeito de estufa, as decisões individuais de compra e venda passam a ter em conta o preço acrescido com o novo imposto. Assim, as pessoas seriam individualmente impelidas a utilizar bicicleta em vez do carro, as empresas energéticas a produzir eletricidade através de energia solar ao invés de gás fóssil, os consumidores a comprar menos bens não essenciais que necessitassem de altas quantidades de energia para serem criados, etc.. Com o verdadeiro custo refletido no preço do bem, a escolha do consumidor individual triunfaria, moldando a economia para o caminho da sustentabilidade ambiental. No entanto, o esquema colapsa na prática.
A taxa de carbono, ou Carbon Pricing, existe em vários países, e as falhas na implementação básica são generalizadas. O preço de emitir é simplesmente muito baixo e tem uma tendência para descer ao longo dos anos. A quantidade de licenças de emissões gratuitas oferecidas pelos Estados fiscalizadores, incluindo a União Europeia, é simplesmente alta demais para colocar verdadeiras restrições à queima de combustíveis fósseis. Segundo um relatório do Banco Mundial, se a meta fosse cumprir o Acordo de Paris, o Preço do Carbono necessitaria de ser algo entre 40 e 80 dólares por tonelada, no entanto, em metade dos mercados de carbono este preço mantém-se abaixo dos 10 dólares.
Como se não bastassem os preços baixos, as isenções às taxas de carbono são generalizadas. Desde a Nova Zelândia, que deixa de fora a agricultura – responsável por metade das suas emissões – ao México, que não coloca um preço sobre as emissões de gás fóssil. A isto ainda se juntam as oportunidades para fraude e fuga aos impostos. A nível europeu foi descoberto o esquema de compra de licenças de emissões sem IVA de países terceiros, totalizando uma fraude avaliada em cinco mil milhões de euros.
Mas os problemas da taxa de carbono não se limitam ao baixo preço do carbono. A sua ênfase nas decisões individuais de agentes simplesmente não é capaz de desencadear a transição energética. Mesmo a Noruega, tendo uma das taxas de carbono mais elevadas do mundo, viu as suas emissões crescerem ao longo dos anos. Dada a inelasticidade da procura, isto é, a escassez de alternativas ao uso de combustíveis fósseis, as reduções nas emissões são marginais e muito abaixo do ritmo necessário para a compatibilidade com as metas de reduções necessárias para evitar o caos climático.
A economia que nos trouxe à crise climática é marcada pela injustiça, exploração e desigualdade, e as taxas de carbono reproduzem todas essas dinâmicas. O ênfase cai boa parte das vezes sobre o cidadão comum que consome energia, não sobre as empresas que a produzem; os consumos de energia representam uma fração do rendimento muito mais significativa daqueles com menos posses; e as possibilidades de adaptar as escolhas são mais difíceis para quem menos recursos tem.
Tudo somado, temos uma política altamente regressiva ao nível do rendimento, da qual apenas se obtêm adaptações mínimas na forma como os combustíveis fósseis são usados, os ricos suportam facilmente os novos custos, e os pobres veem os seus orçamentos ainda mais espremidos por custos adicionais.
A taxa de carbono representa uma vantagem concreta para quem quer deixar tudo na mesma e continuar a explorar combustíveis fósseis. As escolhas supostamente técnicas oferecem possibilidades para tornar a política altamente ineficaz, ao abrir a criação de isenções a vários setores poluentes, fraude na contabilização de emissões, fixação de taxas baixas e atribuição de licenças grátis para emitir. Simulando ação real, os detalhes técnicos tornam a medida inútil, ou até prejudicial, se considerarmos que podem enganar alguém que fique a achar que isto é ação climática real.
Uma grande vantagem para alguns será ainda a capacidade que tem de colocar o cidadão comum, altamente afetado pelo fardo da taxa de carbono, contra a transição energética. O caso dos coletes amarelos em França é apresentado como a incompatibilidade de fazer uma transição energética com a vontade das populações. Quando em 2018 surgiu este movimento, foi a primeira resposta revoltosa em França contra as novas medidas de taxação de carbono pelo executivo de Emmanuel Macron.
Poucos meses antes, o ministro francês do ambiente, Nicholas Hulot, tinha-se demitido numa transmissão de rádio ao vivo, acusando o executivo de Macron de falta de compromisso em relação a matérias ambientais. Não terá sido difícil para o cidadão comum em França ter percebido que a nova taxa era uma questão de injustiça social, não de transição energética. Desde então, os coletes amarelos expandiram as suas reivindicações e também exigem uma transição justa para fora dos combustíveis fósseis e do colapso climático.
A transição energética tem que passar por fornecer alternativas concretas e acessíveis a todos para cumprir as suas necessidades de deslocação e consumo. A forma de impedir uma central a gás fóssil de emitir gases com efeito de estufa para a atmosfera é encerrá-la e substituí-la por uma central baseada em fontes renováveis, não forçando quem usa essa energia a suportar um fardo financeiro colossal para cumprir necessidades básicas. Juntando a isto a questão do transporte dessa energia, e formas eficientes do seu consumo, é incontornável que não será a falsa inteligência dispersa dos mercados a resolver o assunto, mas sim a ação planificada dos Estados.
A taxação do carbono advogada por órgãos como a Comissão Europeia oscila entre deixar tudo na mesma, enquanto se simula ação climática real, e austeridade pintada de verde acompanhada de uma transição energética sem rumo. Os verdadeiros vencedores das taxas de carbono são aqueles que querem deixar tudo na mesma ao afastar uma mudança de fundo na forma como o capitalismo fóssil é conduzido.
A economia do capitalismo fóssil conta com décadas de promoção, apoio e subsidiação direta dos Estados – chegando mesmo a montar e gerir diretamente os governos. Reverter tudo isto com uma década de taxação de carbono é uma impossibilidade. O sistema energético passa por cadeias largas de extração, transporte e consumo, e apenas uma ação em grande escala e holística por parte dos Estados pode conduzir uma alteração deste para uma economia sustentável e justa em tempo útil.