A degradação dos principais centros urbanos colocou a sua reabilitação na lista de prioridades do legislador português. O crescimento do setor do turismo em Portugal verificado nos últimos anos intensificou a necessidade e a urgência de “lavar a cara” dos centros históricos de cidades como o Porto e Lisboa e de apostar no mercado imobiliário nacional.

Para este efeito, foram criados vários incentivos fiscais. Um dos quais consiste na aplicação de taxa reduzida de IVA de 6% a empreitadas de reabilitação urbana, tal como definidas no Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, conduzidas em imóveis localizados em áreas especificamente delimitadas (“ARU”).

A execução prática do incentivo, contudo, reveste-se de tremenda incerteza jurídica. Esta é causada pela falta de clareza dos pressupostos da medida e pela indefinição da distribuição de responsabilidades entre a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) e as Câmaras Municipais. Veja-se o seguinte exemplo.

A legislação aplicável deixa por responder como deverá ser atestado o cumprimento dos requisitos previstos para aplicação da taxa reduzida do IVA (ao contrário do que acontece na aplicação da isenção de IMT) e a que entidade compete esta confirmação. A este respeito, a AT considera que a responsabilidade de atestar o cumprimento ou não dos pressupostos legais é das Câmaras Municipais. A maioria das Câmaras Municipais atesta que o imóvel se encontra localizado num ARU, mas não disponibiliza um procedimento que permita confirmar a priori se a empreitada a realizar consubstancia uma operação de reabilitação urbana, nos termos da legislação aplicável.

Resulta claro que a atração do investimento imobiliário é incompatível com o risco assumido pelo investidor de aplicar a taxa reduzida do IVA sem confirmação do cumprimento dos respetivos requisitos em momento anterior ao início das obras. É importante relembrar que este risco poderá revelar-se demasiado oneroso num cenário em que a AT aplique coimas e juros compensatórios pelo atraso no pagamento do imposto que se mostrar devido.

Acresce que fica por definir o que deverá entender-se por empreitada de reabilitação urbana. É certo que o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana prevê algumas definições que ajudam a balizar o conceito, mas não de forma suficientemente clara. A reabilitação urbana pressupõe uma edificação prévia ou deverá abranger a reabilitação do tecido urbano no seu todo? A reabilitação de edifícios deverá incidir sobre o edifício no seu todo ou bastará incidir apenas numa parte? Em suma, a lei não esclarece o que deverá entender-se por reabilitação urbana e as Câmaras Municipais interpretam o conceito com discricionariedade.

Estas questões, entre outras, que a aplicação prática da taxa reduzida do IVA de 6% às empreitadas de reabilitação urbana coloca, geram uma insegurança jurídica tal que poderá constituir mesmo um desincentivo (e mesmo um entrave) à realização de novos investimentos imobiliários.

O IVA assume uma enorme importância nos investimentos imobiliários, ocupando o peso de 23% sobre o valor geral da empreitada que poderá representar um custo final não dedutível. Deste modo, a possibilidade de reduzir a taxa em 17 p.p. poderá ser determinante na decisão do investimento imobiliário realizar e na viabilidade económica dos projetos a implementar.

Mais se diga que o facto de os custos do projeto poderem variar em mais ou menos 17% assume um impacto decisivo em dois fatores determinantes do desempenho do setor imobiliário português: a margem do investidor e o custo final dos imóveis. Por um lado, não nos iludamos, para um potencial grande investidor estrangeiro, a total incerteza de os custos do seu projeto poderem aumentar em 17 p.p., servirá como um verdadeiro desincentivo a investir um Portugal. Por outro, apostar na segurança para aplicação da taxa reduzida do IVA seria, provavelmente, o maior estímulo ao regresso da classe média aos centros das cidades.

Assim, em prol do crescimento sólido e atrativo do setor imobiliário, é urgente uma intervenção legislativa e administrativa integrada no sentido de criar um procedimento uniforme que permita confirmar, em momento anterior ao início das obras, o cumprimento dos requisitos para aplicação da taxa reduzida do IVA às empreitadas de reabilitação urbana, eliminando as incertezas e a discricionariedade na sua aplicação. É imperativo olhar para este tema de forma séria e responsável.